segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pedagogia suprema - Artigo de André Ramos Tavares

Artigo do Prof. de Direito Constitucional da PUC-SP André Ramos Tavares, sobre o STF e seu papel pedagógico. 

Talvez o exemplo utilizado - o caso da AP 470 (Mensalão) - não tenha sido o mais adequado. Haveria outros muito mais interessantes e igualmente pedagógicos (o caso das cotas, por exemplo).

De qualquer maneira, vale a leitura e a reflexão.

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17/11/2013 - 03h30

André Ramos Tavares: Pedagogia suprema



A nova fase de julgamento do mensalão, admitida com a confirmação do cabimento dos embargos infringentes, é a expressão máxima de um tribunal garantista.
Quero dizer que essa decisão, pelo interesse e envergadura, apresenta uma função menos conhecida --e raramente considerada no Brasil--, que vou chamar de função pedagógica das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
O tema não é, certamente, reservado ao mensalão, mas este impressiona por evidenciá-lo e também por ter gerado uma dinâmica de amadurecimento em diversos outros pontos tão delicados e caros ao nosso sistema constitucional.
A verdade é que a "revelação" do STF, ocorrida a partir da Constituição de 1988, aliada à exuberância de uma exposição na mídia do mensalão e de seu processo judicial --considerado por muitos como o julgamento do século-- foram responsáveis por reduzirem significativamente a distância entre a capital federal e o povo brasileiro. Redução que não pode significar, em um Estado democrático, a submissão do direito e da corte à vontade contingente da opinião pública, à pressão das multidões, para usar expressões do ministro Celso de Mello.
Apenas ocorre que estamos todos na mesma vizinhança, ou seja, não há mais espaço para um STF que operava longinquamente, em horizonte estranho às grandes massas, praticamente na obscuridade. As transmissões televisionadas em tempo real das sessões de julgamento radicalizam o novo modelo.
Esse discernimento alcançado pela (e permitido à) sociedade reforça o papel pedagógico das decisões do STF, tanto para a própria sociedade como para as autoridades, políticos e instituições em geral.
Contudo, para que essa dimensão não caia em um reducionismo ou decisionismo autoritário, é preciso admitir certo diálogo educativo da corte com o povo. Nesse diálogo, um tribunal máximo deve ter condições de ouvir, não para decidir o direito a partir de manifestações sociais, ou midiáticas, mas para construir o direito considerando um processo dialógico e educativo.
Não interessa que o STF seja um tribunal indiferente nem monoglota. Discussões e divergências resultam dos diversos pontos de vista autorizados a serem apresentados, que nada mais são do que espelhos da complexidade encontrada em nossa sociedade (e em nosso direito).
Decisões, ainda que por apertada maioria (prevalecendo o princípio da colegialidade), não fracionam o tribunal, antes o reforçam. A representatividade não eleitoral do STF fica ressaltada, pois surge como árbitro das inevitáveis forças sociais divergentes. E esta é a fórmula para a construção de um direito, pelo STF, mais legítimo.
Para além desse "fluxo" de ideias, o papel pedagógico implica o STF considerar o significado que suas decisões produzirão na mente e na conduta de agentes políticos, para citar ao menos um exemplo, bastante significativo e que se encontra no imaginário da sociedade.
O mero temor da repreensão deve afetar a fantasia política e o ânimo de decidir arbitrariamente, como observou uma ex-presidente do Tribunal Constitucional alemão, Jutta Limbach. Essa força está presente no STF porque suas decisões são sempre notáveis, pela hierarquia e simbologia constitucional envolvidas, especialmente quanto a algumas cláusulas délficas (como já foram chamadas as normas, para alguns, enigmáticas, da Constituição).
Pelo mensalão, mas para além dele (eis o papel pedagógico), o STF distancia-se de um tribunal preocupado em apenas proferir a decisão para encerrar o conflito e, assim, cumprir, formalmente, o que dele se espera: decidir em caráter final.
Temos o STF como um grande mestre, que orienta também os demais tribunais e sinaliza para a sociedade o cuidado que o Estado deve ter, em todas suas atividades, com o cidadão e com todo cidadão.

ANDRÉ RAMOS TAVARES é professor de Poder Judiciário e Justiça Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1371458-andre-ramos-tavares-pedagogia-suprema.shtml

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