domingo, 19 de abril de 2015

Por que Fachin? Breve resposta às objeções levantadas


O Jornal Gazeta do Povo publicou hoje (23/04/2015), na edição impressa e digital, o artigo abaixo que busca rebater as objeções que têm sido levantadas à indicação do Prof. Fachin. Creio que rebater esses argumentos seja a melhor forma de cumprirmos com nosso dever de um debate público e robusto sobre o que se espera que fundamente a indicação de uma pessoa ao cargo de Ministro do STF. Dizer que o Prof. Fachin apoiou a eleição de Dilma em 2010 ou que teve proximidade com movimentos sociais não significa que sua parcialidade estaria assim, a priori, comprometida. É isso que tento desconstruir nesse artigo.

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/por-que-fachin-breve-resposta-as-objecoes-levantadas-bhsbyugmcgecdjinx0gye8tmc


Por que Fachin? Breve resposta às objeções levantadas[1]


É de causar (muito!) incômodo as objeções que têm sido levantadas contra a indicação do Prof. Fachin ao Supremo Tribunal Federal. Essas objeções podem ser reunidas e resumidas em 2 aspectos: (i) ter sido o porta-voz de um Manifesto de Juristas em 2010 em favor da candidatura à Presidência de Dilma Rousseff e (ii) sua proximidade com movimentos sociais (CUT, MST, etc.).

A indicação para o cargo de Ministro do STF tem como requisitos o notável saber jurídico, a reputação ilibada e a idade superior a 35 anos. O Prof. Fachin cumpre com folga a exigência de notório saber jurídico. Sua trajetória acadêmica é sólida e profunda. É Professor Titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e seu trabalho é reconhecido nacional e internacionalmente. Seus trabalhos são invocados como referência, inclusive pelo próprio STF. Fachin possui mais de 35 anos, menos de sessenta e cinco e tem indiscutível reputação ilibada.

Fachin cumpre, portanto, todos os critérios exigidos para ocupar o cargo de Ministro do STF.

Mas, é importante voltar às objeções que têm sido invocadas. Fachin, como Professor, Advogado e cidadão que nunca se furtou ao debate público e ao posicionamento diante das questões difíceis, em um momento em que fora questionado, tomou posição. E naquele então, posicionou-se a favor da eleição de Dilma Roussef. Essa tomada de posição foi legítima. Ele podia fazer isso na condição de Professor, Advogado e cidadão. A nenhuma pessoa é vedada a tomada de posição em um cenário político-eleitoral. Ou os cidadãos não são mais obrigados a votar? Os juízes, inclusive os Ministros do STF, também votam.

Se dos juízes em geral, e Ministros do STF em particular, podemos exigir maiores discrições, não podemos exigir o mesmo dos demais cidadãos e, assim, do próprio Prof. Fachin quando o fez em 2010. Vale dizer, sua tomada de posição anos atrás na condição de Professor, Advogado e cidadão não significa que toda sua atuação antes e depois disso estivesse ou ainda esteja comprometida, supostamente viciada. Ter sido o porta-voz de um Manifesto de Juristas não significa que sua atuação futura como Ministro do STF esteja subjugada pela pessoa que um dia ele apoiou. Não se espera neutralidade de um Juiz, mas sim sua imparcialidade. Ter escolhido uma posição, ainda que lá em 2010 e numa circunstância eleitoral em que todos os cidadãos são obrigados a se posicionar (afinal todos são obrigados a votar), não significa que ele não tenha imparcialidade para julgar, para ser Ministro do STF. Concluir o contrário disso, como tem sido afirmado, é partir de uma premissa verdadeira (o fato dele ter sido o porta-voz de um manifesto de juristas em favor de Dilma) e chegar a uma conclusão falsa (a de que esse apoio anos atrás invalidaria qualquer atuação sua como juiz, como Ministro do STF). Isso é o que chamamos de falácia, um sofisma argumentativo.

Ao ser indicado para o cargo de Ministro do STF, Fachin deverá, e não há dúvidas de que o saberá, manter a distância e a imparcialidade necessárias que a partir de então o cargo passará a lhe exigir. O que garante isso? Toda a sua trajetória como Professor, Advogado e cidadão de notório saber jurídico, reputação ilibada e sua qualidade como respeitador, dentro dos marcos constitucionais, das diferentes concepções de bem e de vida.

Diante disso, a primeira objeção feita à sua indicação perde sua suposta qualidade crítica e, ao contrário, torna-se vantagem: em primeiro lugar porque não passa de falácia, de sofisma. Em segundo lugar porque o Prof. Fachin nunca se escondeu sob o falso manto da neutralidade, não se camuflou com o disfarce dos que tomam posições nos bastidores, mas as ocultam no cenário público. Sua tomada de posição anos atrás apenas demonstra como o Prof. Fachin não se imiscui do dever de justificar publicamente suas posições.

Diante do exposto, a segunda objeção (a de que ele seria próximo de movimentos sociais), também se dissolve. Em primeiro lugar, porque ela também recai na mesma falácia, no mesmo sofisma de invocar um fato verdadeiro e dele extrair uma conclusão falsa, que não pode ser verificada. Dizer que o Prof. Fachin teve proximidade com os movimentos sociais não significa que suas decisões serão parciais e inválidas e que, por isso, ele jamais possa ser juiz, Ministro do STF. Dizer que Fachin teve proximidade com movimentos sociais não compromete sua indicação como Ministro do STF, apenas o qualifica como alguém sensível e atento a todas as vozes do debate público. Além disso, o que se deve exigir de quem ocupa o posto de juiz constitucional é a justificação pública de suas decisões, a forma como compreende o conteúdo e o alcance das normas constitucionais. E isso o Prof. Fachin sempre fez, e com brilhantismo. Não é por outro motivo que seu reconhecimento decorre justamente da doutrina do Direito Civil Constitucional. Fachin tem sabido, como ninguém, refundar as bases do Direito Privado, sempre partindo de uma justificação constitucional, e, assim, tem devolvido a sensibilidade e o afeto de que tanto carece o Direito.


A indicação do Professor Titular, do Advogado, Luiz Edson Fachin encontra respaldo em seu predicado como excepcional jurista. Suas eventuais posturas anteriores ou o contato que teve ao longo da vida com grupos sociais não maculam sua trajetória e certamente não comprometem sua atuação futura como Ministro do STF. O que nos garante isso? Justamente a sua trajetória brilhante e ilibada como jurista e o seu compromisso, sempre presente e reafirmado, de justificação pública, constitucional, do Direito.




[1] Miguel Gualano de Godoy é Pesquisador do Núcleo Constitucionalismo e Democracia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pela UFPR, tem estudos e pesquisas realizados na Harvard Law School e Universidade de Buenos Aires (UBA).

terça-feira, 14 de abril de 2015

Democracia, Constituição e maioridade penal


Excelente artigo do Professor e pesquisador deste Núcleo José Arthur Castillo de Macedo sobre as objeções democráticas à proposta de reduzir a idade de imputação penal.



ARTIGO

Democracia, Constituição e maioridade penal

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Quem é a favor da democracia deve ser a favor da redução da maioridade penal – afinal, segundo pesquisas de opinião, esta é a posição da maior parte dos brasileiros. Estas afirmações são corretas? Para responder, é preciso antes esclarecer qual democracia foi instituída com a Constituição de 1988.
Em primeiro lugar, é fundamental ter claro que “democracia” é um termo cujo significado está em disputa há séculos. Porém, ao longo do século 20, após as tragédias do Holocausto e do fascismo, entende-se que um sistema político, para ser democrático, exige alguns compromissos: a vontade da maioria deve respeitar os direitos fundamentais das minorias, para que não se repitam os acontecimentos do século passado. As democracias que vieram após a Segunda Guerra – e, no Brasil, após a ditadura – buscaram promover uma democracia constitucional que também é chamada de Estado democrático de direito. 
Ao prever que a República Federativa do Brasil é um Estado democrático de direito, fundada na igual dignidade humana de todos, a Constituição demanda um compromisso com a promoção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos. Este compromisso visa o bem de todos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Estas obrigações decorrem dos primeiros artigos da Constituição e não podem ser esquecidas no momento de compreender qual tipo de democracia vamos construir neste país.
Nas últimas semanas, contudo, várias propostas legislativas têm sido defendidas com base em uma concepção de democracia que já foi a predominante, mas que não está de acordo com a Constituição – ela pode ser chamada de “concepção majoritária”. Para o majoritarismo, a democracia é o resultado de uma votação. Partindo da premissa correta de que a democracia é o governo do povo, chega-se à conclusão errada de que qualquer votação expressa a vontade popular. Ora, ninguém afirmaria que todas as barbaridades cometidas pelos nazistas ou feitas por Pinochet no Chile foram todas manifestações democráticas. De acordo com esta visão, pesquisas de opinião (como aquelas feitas por institutos em época de eleição) bastariam para expressar qual é a vontade do povo. 
Não obstante, o majoritarismo parece reduzir a democracia à estatística, o que é equivocado. Quando os cidadãos manifestam sua opinião para responder uma pesquisa, geralmente eles nem sequer dispõem de informações para responder a pergunta. E a democracia fica reduzida a isso. Se a democracia fosse somente o voto, não haveria qualquer sentido em se fazer campanhas eleitorais antes de elegermos os nossos representantes. Esta visão equivoca-se por esquecer que o voto pressupõe algo muito importante: um debate.
Podemos chamar de deliberativa uma concepção de democracia mais adequada à Constituição. Segundo ela, antes de haver a votação é necessário que haja um debate público e robusto das ideias, para que os cidadãos possam expor os seus pontos de vista e possam submetê-los à crítica de outros cidadãos que têm o igual direito de se manifestar sobre que rumos querem dar para o país. Um debate público é feito às claras, no rádio e na televisão, nas escolas e em outros espaços de formação, mas o principal espaço para ele é a esfera pública. Ele só poderá ser robusto se para os argumentos apresentados forem ofertados contra-argumentos. Ainda segundo essa concepção, para que uma decisão ganhe o adjetivo de “democrática”, ela precisa permitir que todos os possíveis afetados possam se manifestar sobre ela (caso queiram). 
O majoritarismo parece reduzir a democracia à estatística, o que é equivocado
A visão deliberativa da democracia vai muito além da visão majoritária, mas também congrega as dimensões representativas e participativas da democracia presentes na nossa Constituição. Ela reúne essas dimensões da democracia através do debate, que pressupõe a participação, mas que também não exclui a representação institucional – muito pelo contrário: a pressupõe para existir. 
No debate sobre a possibilidade da redução da maioridade penal tem predominado a visão majoritarista de democracia. Como exposto, esta visão pobre e inconstitucional da democracia tem defendido que basta alguns congressistas se manifestarem a favor da proposta que será tomada a decisão mais democrática. Para quem está comprometido com a democracia e com os direitos fundamentais (portanto, com a Constituição), não é possível concordar com a possibilidade de se modificar um tema tão importante com um debate tão pobre. 
Os defensores da proposta de mudança da maioridade penal devem explicar e refutar vários entendimentos e premissas que não são nem de longe óbvias. Por exemplo: por que a maioridade penal não é uma cláusula pétrea, como entende a maior parte dos constitucionalistas? A redução ocorreria para todos os crimes ou para qualquer um? Esta mudança iria permitir o pleito à autorização para dirigir, como prevê o art. 140 do Código de Trânsito Brasileiro? Como ficam os tratados e convenções de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário e que pressupõem a imputabilidade penal a partir dos 18 anos? Os congressistas que defendem a proposta vão trazer argumentos para refutar os dados trazidos por especialistas em segurança e do Conselho Federal de Psicologia sobre o tema? Por fim, é imprescindível que seja esclarecido o que os “representantes” do povo entendem por respeitar o art. 227 da Constituição, que prevê a prioridade absoluta às crianças e adolescentes e o compromisso de todos – Estado, comunidade e família – para assegurar os seus direitos.
Entende-se que um debate robusto pressupõe, no mínimo, a resposta a tais questões. Uma decisão tão importante como essa não pode ser tomada às pressas, sem que isso seja esclarecido, sob pena de violarmos padrões mínimos de democracia. Todas as instituições devem contribuir para este debate, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, que pode e deve estimular a reflexão coletiva se for provocado em um mandado de segurança ou, se aprovada a emenda, por meio de uma decisão em uma ação direta de inconstitucionalidade.
A falta de debate que tem imperado nesta discussão por si só já justifica o questionamento sobre o caráter “democrático” de eventual redução da maioridade penal e, portanto, da constitucionalidade da medida. Todavia, para os defensores da democracia deliberativa, o comprometimento com a Constituição demanda mais do que isso.
Em um Estado democrático de direito só há democracia se a lei for fruto da vontade popular, desde que respeitados os direitos e garantias fundamentais da maioria e, sobretudo, das minorias. Só isso parece justificar a inconstitucionalidade da PEC 171/1993. Contudo, a Constituição que constitui a nossa República exige que ela seja fundamentada na igual dignidade humana de todos, que seja construída uma sociedade mais justa, livre e solidária. A PEC 171/1993 vai na contramão de tudo isso. Portanto, quem é a favor da democracia e da justiça, nos termos da Constituição, deve discordar dela. A escolha – e as consequências daí advindas – cabe a todos nós.
José Arthur Castillo de Macedo, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, no qual integra o Núcleo Constitucionalismo e Democracia, é professor de Direito Constitucional e Teoria do Direito no IFPR-câmpus Palmas.

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/democracia-constituicao-e-maioridade-penal-2oezvnm9gcjodvj7v44f0cjax