domingo, 30 de junho de 2013

Constitucionalização do Bolsa Família

Não é de hoje que existem várias pessoas que se opõem ao programa Bolsa Família. Há, até quem anda compartilhando imagens nas redes sociais associando o Bolsa Família a uma volta do "voto do cabresto" - imaginem! -. A tais pessoas, provavelmente más intencionadas, ou completamente alienadas sobre a real situação do Brasil e do programa, vale a pena a leitura da obra, cuja autora responde a algumas perguntas abaixo.


Entrevista
Folha de S. Paulo
13 jun. 2013

Folha - Como explicar o pânico recente no Bolsa Família? Qual o impacto do programa nas regiões onde a sra. pesquisou?
Walquiria Leão Rego - Enorme. Basta ver que um boato fez correr um milhão de pessoas. Isso se espalha pelos radialistas de interior. Elas [as pessoas] são muito frágeis. Certamente entraram em absoluto desespero. Poderia ter gerado coisas até mais violentas. Foi de uma crueldade desmesurada. Foi espalhado o pânico entre pessoas que não têm defesa. Uma coisa foi a medida administrativa da CEF (Caixa Econômica Federal). Outra coisa é o que a policia tem que descobrir: onde começou o boato. Fiquei estupefata. Quem fez isso não tem nem compaixão. Nossa elite é muito cruel. Não estou dizendo que foi a elite, porque seria uma leviandade.

Como assim?
Tem uma crueldade no modo como as pessoas falam dos pobres. Daí aparecem os adolescentes que esfaqueiam mendigos e queimam índios. Há uma crueldade social, uma sociedade com desigualdades tão profundas e tão antigas. Não se olha o outro como um concidadão, mas como se fosse uma espécie de sub-humanidade. Certamente essa crueldade vem da escravidão. Nenhum país tem mais de três séculos de escravidão impunemente.

Qual o impacto do Bolsa Família nas relações familiares?
Ocorreram transformações nelas mesmas. De repente se ganha uma certa dignidade na vida, algo que nunca se teve, que é a regularidade de uma renda. Se ganha uma segurança maior e respeitabilidade. Houve também um impacto econômico e comercial muito grande. Elas são boas pagadoras e aprenderam a gerir o dinheiro após dez anos de experiência. Não acho que resolveu o problema. Mas é o início de uma democratização real, da democratização da democracia brasileira. É inaceitável uma pessoa se considerar um democrata e achar que não tenha nada a ver com um concidadão que esteja ali caído na rua. Essa é uma questão pública da maior importância.

O Bolsa Família deveria entrar na Constituição?
A constitucionalização do Bolsa Família precisava ser feita urgentemente. E a renda tem que ser maior. Esse é um programa barato, 0,5% do PIB. Acho, também, que as pessoas têm direito à renda básica. Tem que ser uma política de Estado, que nenhum governo possa dizer que não tem mais recurso. Mas qualquer política distributiva mexe com interesses poderosos.

A sra. poderia explicar melhor?
Isso é histórico. A elite brasileira acha que o Estado é para ela, que não pode ter esse negócio de dar dinheiro para pobre. Além de o Bolsa Família entrar na Constituição, é preciso ter outras políticas complementares, políticas culturais específicas. É preciso ter uma escola pensada para aquela população. É preciso ter outra televisão, pois essa é a pior possível, não ajuda a desfazer preconceitos. É preciso organizar um conjunto de políticas articuladas para formar cidadãos.

A sra. quer dizer que a ascensão é só de consumidores?
As pessoas quando saem desse nível de pobreza não se transformam só em consumidores. A gente se engana. Uma pesquisadora sobre o programa Luz para Todos, no Vale do Jequitinhonha, perguntou para um senhor o que mais o tinha impactado com a chegada da luz. A pesquisadora, com seu preconceito de classe média, já estava pronta para escrever: fui comprar uma televisão. Mas o senhor disse: 'A coisa que mais me impactou foi ver pela primeira vez o rosto dos meus filhos dormindo; eu nunca tinha visto'. Essa delicadeza... a gente se surpreende muito.

O que a surpreendeu na sua pesquisa?
Quando vi a alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles, que não tinha sido pedida. Não tinham passado pela humilhação de pedi-la; foram lá e compraram. Crianças que comeram macarrão com salsicha pela primeira vez. É muito preconceituoso dizer que só querem consumir. A distância entre nós é tão grande que a gente não pode imaginar. A carência lá é tão absurda. Aprendi que pode ser uma grande experiência tomar água gelada.

Li que a sra. teria apurado que o Bolsa Família, ao tornar as mulheres mais independentes, estava provocando separações, uma revolução feminina. Mas não encontrei isso no livro. O que é fato?
É só conhecer um pouco o país para saber que não poderia haver entre essas mulheres uma revolução feminista. É difícil para elas mudar as relações conjugais. Elas são mais autônomas com a Bolsa? São. Elas nunca tiveram dinheiro e passaram a ter, são titulares do cartão, têm a senha. Elas têm uma moralidade muito forte: compram primeiro a comida para as crianças. Depois, se sobrar, compram colchão, televisão. É ainda muito difícil falar da vida pessoal. Uma ou outra me disse que tinha vontade de se separar. Há o problema de alcoolismo. Esses processos no Brasil são muito longos. Em São Paulo é comum a separação; no sertão é incomum. A família em muitos lugares é ampliada, com sogra, mãe, cunhado vivendo muito próximos. Essa realidade não se desfaz.

Mas há indícios de mudança?
Indícios, sim. Certamente elas estão falando mais nesse assunto. Em 2006, não queriam falar de sentimentos privados. Em 2011, num povoado no sertão de Alagoas, me disseram que tinha havido cinco casos de separação. Perguntei as razões. Uma me disse: 'Aquela se apaixonou pelo marido da vizinha'. Perguntei para outra. Ela disse: 'Pensando bem, acho que a bolsa nos dá mais coragem'. Disso daí deduzir que há um movimento feminista, meu deus do céu, é quase cruel. Não sei se dá para fazer essa relação tão automática do Bolsa com a transformação delas em mulheres mais independentes. Certamente são mais independentes, como qualquer pessoa que não tinha nada e passa a ter uma renda. Um homem também. Mas há censuras internas, tem a religião. As coisas são muito mais espessas do que a gente imagina.

O machismo é muito forte?
Sim. E também dentro delas. Se o machismo é muito percebido em São Paulo, imagina quando no chamado Brasil profundo. Lá, os padrões familiares são muito rígidos. É comum se ouvir que a mulher saiu da escola porque o pai disse que ela não precisava aprender. Elas se casam muito cedo. Agora, como prevê a sociologia do dinheiro, elas estão muito contentes pela regularidade, pela estabilidade, pelo fato de poderem planejar minimamente a vida. Mas eu não avançaria numa hipótese de revolução sexual.

O Bolsa Família mexeu com o coronelismo?
Sim, enfraqueceu o coronelismo. O dinheiro vem no nome dela, com uma senha dela e é ela que vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É muito diferente se o governo entregasse o dinheiro ao prefeito. Num programa que envolve 54 milhões de pessoas, alguma coisa de vez em quando [acontece]. Mas a fraude é quase zero. O cadastro único é muito bem feito. Foi uma ação de Estado que enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o 0800 e vão para o telefone público ligar para reclamar. Essa ideia de que é uma massa passiva de imbecis que não reagem é preconceito puro.

E a questão eleitoral?
O coronel perdeu peso porque ela adquiriu uma liberdade que não tinha. Não precisa ir ao prefeito. Pode pedir uma rua melhor, mas não comida, que era por ai que o coronelismo funcionava. Há resíduos culturais. Ela pode votar no prefeito da família tal, mas para presidente da República, não.

Esses votos são do Lula?
São. Até 2011, quando terminei a pesquisa, eram. Quando me perguntam por que Lula tem essa força, respondo: nunca paramos para estudar o peso da fala testemunhal. Todos sabem que ele passou fome, que é um homem do povo e que sabe o que é pobreza. A figura dele é muito forte. O lado ruim é que seja muito personalizado. Mas, também, existe uma identidade partidária, uma capilaridade do PT.

Há um argumento que diz que o Bolsa Família é como uma droga que torna o lulismo imbatível nas urnas. O que a sra. acha?
Isso é preconceito. A elite brasileira ignora o seu país e vai ficando dura, insensível. Sente aquele povo como sendo uma sub-humanidade. Imaginam que essas pessoas são idiotas. Por R$ 5 por mês eles compram uma parabólica usada. Cheguei uma vez numa casa e eles estavam vendo TV Senado. Perguntei o motivo. A resposta: 'A gente gosta porque tem alguma coisa para aprender'.

No livro a sra. cita muitos casos de mulheres que fizeram laqueadura. Como é isso?
O SUS (Sistema Único de Saúde) está fazendo a pedido delas. É o sonho maior. Aliás, outro preconceito é dizer que elas vão se encher de filhos para aumentar o Bolsa Família. É supor que sejam imbecis. O grande sonho é tomar a pílula ou fazer laqueadura.

A sra. afirma que é preconceito dizer que as pessoas vão para o Bolsa Família para não trabalhar. Por quê?
Nessas regiões não há emprego. Eles são chamados ocasionalmente para, por exemplo, colher feijão. É um trabalho sem nenhum direito e ganham menos que no Bolsa Família. Não há fábricas; só se vê terra cercada, com muitos eucaliptos. Os homens do Vale do Jequitinhonha vêm trabalhar aqui por salários aviltantes. Um fazendeiro disse para o meu marido que não conseguia mais homens para trabalhar por causa do Bolsa Família. Mas ele pagava R$ 20 por semana! O cara quer escravo. Paga uma miséria por um trabalho duro de 12, 16 horas, não assina carteira, é autoritário, e acha que as pessoas têm que se submeter a isso. E dizem que receber dinheiro do Estado é uma vergonha.

Há vontade de deixar o Bolsa Família?
Elas gostariam de ter emprego, salário, carteira assinada, férias, direitos. Há também uma pressão social. Ouvem dizer que estão acomodadas. Uma pesquisa feita em Itaboraí, no Rio de Janeiro, diz que lá elas têm vergonha de ter o cartão. São vistas como pobres coitadas que dependem do governo para viver, que são incapazes, vagabundas. Como em "Ralé", de Máximo Gorki, os pobres repetem a ideologia da elite. A miséria é muito dura.

A sra. escreve que o Bolsa Família é o inicio da superação da cultura de resignação? Será?
A cultura da resignação foi muito estudada e é tema da literatura: Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, José Lins do Rego. Ela tem componente religioso: 'Deus quis assim'. E mescla elementos culturais: a espera da chuva, as promessas. Essa cultura da resignação foi rompida pelo Bolsa Família: a vida pode ser diferente, não é uma repetição. É a hipótese que eu levanto. Aparece uma coisa nova: é possível e é bom ter uma renda regular. É possível ter outra vida, não preciso ver meus filhos morrerem de fome, como minha mãe e minha vó viam. Esse sentimento de que o Brasil está vivendo uma coisa nova é muito real. Hoje se encontram negras médicas, dentistas, por causa do ProUni (Universidade para Todos). Depois de dez anos, o Bolsa Família tem mostrado que é possível melhorar de vida, aprender coisas novas. Não tem mais o 'Fabiano' [personagem de "Vidas Secas"], a vida não é tão seca mais.

"VOZES DO BOLSA FAMÍLIA"
AUTOR Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani
EDITORA Editora Unesp 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

O que esperar do novo Ministro do STF - Luís Roberto Barroso?

Artigo interessantíssimo do Prof. Conrado Hubner Mendes sobre a nomeação de Luís Roberto Barroso para o STF. Saindo do consenso sobre a qualidades do novo indicado, Conrado Hubner Mendes aponta o que podemos (e devemos) esperar de Barroso: que toda sua qualificação teórica e acadêmica sirvam para um aperfeiçoamento institucional do STF.

"A maior diferença que poderá fazer no STF, contudo, não tem tanto que ver com sua competência para interpretar os dilemas morais e jurídicos suscitados pela Constituição. Seu legado poderá ser mais decisivo se aproveitar, com senso de oportunidade, as possibilidades de influenciar o aperfeiçoamento institucional do STF."

"Barroso é fino observador de como o STF desperdiça as potencialidades de sua estrutura colegiada para produzir decisões em concerto. O elemento colegiado deve, em princípio, servir como motor de decisões supraindividuais, não como incentivo para o empilhamento de votos separados que se recusam, por vocação individualista, a conversar."


http://www.senado.gov.br/noticias/senadonamidia/noticia.asp?n=849071&t=1


Data: 26/06/2013 Fonte: O Estado de S. Paulo - A2
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ARTIGO – Conrado Hübner Mendes

Para bom juiz, meia palavra não basta
Cotado há anos para o Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso chegou lá. Nomeado pela presidente Dilma Rousseff seis meses depois da aposentadoria de Carlos Ayres Britto, e aprovado há algumas semanas pelo Senado, Barroso é um nome de quase-consenso à esquerda e à direita. Numa vitória contra a baixa política de bastidores que assedia o Planalto nessas circunstâncias, a indicação fez mérito e prestígio profissionais prevalecerem sobre o fisiologismo parasitário que, por vezes, ronda a cúpula do Poder Judiciário.

Barroso leva ao tribunal uma combinação incomum de reflexão acadêmica sobre o STF com experiência advocatícia na própria Corte. Muito se comentou sobre seu perfil ideológico e engajamento nas principais conquistas recentes de direitos fundamentais no Brasil. A maior diferença que poderá fazer no STF, contudo, não tem tanto que ver com sua competência para interpretar os dilemas morais e jurídicos suscitados pela Constituição. Seu legado poderá ser mais decisivo se aproveitar, com senso de oportunidade, as possibilidades de influenciar o aperfeiçoamento institucional do STF. 

A expectativa por seu desempenho é alta. Nos seus escritos, apresenta um diagnóstico abrangente sobre os gargalos estruturais da Corte. Para começar, Barroso entende a importância de um tribunal que decida menos e melhor. Percebe como o gigantismo quantitativo do STF culmina na sua mediocrização qualitativa. Isto é, sabe que uma jurisprudência criteriosa não pode ser construída na base de uma linha de produção industrial, da qual o STF ainda se faz refém. Ao contrário, somente por meio do gerenciamento agressivo de sua pauta e uso corajoso de filtros como o instituto da repercussão geral o STF poderá domesticar a ânsia recursal da advocacia a concentrar sua inteligência nos casos que importam para o País.

Em segundo lugar, Barroso é fino observador de como o STF desperdiça as potencialidades de sua estrutura colegiada para produzir decisões em concerto. O elemento colegiado deve, em princípio, servir como motor de decisões supraindividuais, não como incentivo para o empilhamento de votos separados que se recusam, por vocação individualista, a conversar. O STF atual, contudo, perdeu a capacidade de conjugar a primeira pessoa do plural e, por essa razão, não tem como evitar a incongruência de sua argumentação jurídica. Nos casos de maior saliência, em especial, os ministros recusam-se a praticar a coautoria. Como frequentemente levam para a sessão de julgamento seus votos prontos, sem saber o quão parecidos serão os votos de seus colegas, transformam o julgamento numa redundante sessão de leitura, cujas interações ocasionais interferem pouco na dinâmica da récita, voto por voto.
Pelo menos dois prejuízos decorrem desse hábito. Primeiro, gastam tempo na mera comunicação do que já decidiram sozinhos em seus gabinetes, em vez de investir tal recurso escasso na busca de convencimento e produção de decisões sinérgicas. 
Segundo, e talvez mais grave, geram fundamentações fragmentadas que impedem a construção de precedentes constitucionais genuínos, bússolas do significado constitucional. Para sanar tais patologias, Barroso sugere a adoção de duas mudanças simples mas não menos efetivas: a circulação prévia do voto do relator, para evitar que os ministros que concordem percam tempo na elaboração dos seus próprios votos; e a submissão da ementa da decisão aos ministros que compõem a maioria, para que consigam, juntos, apresentar uma fundamentação coletivamente acordada.

Por fim, a fala e o texto de Barroso costumam caracterizar-se por uma rara simplicidade, na contramão do pedantismo beletrista que tantas vezes esconde superficialidade argumentativa em decisões do STF. Ele pode trazer ao Supremo um desejável rejuvenescimento cultural e democratizar seu estilo decisório. A tarefa é mais radical do que parece. Desses pequenos detalhes procedimentais, formais e estilísticos depende a própria força normativa e educativa da Constituição.

Na sabatina do Senado, Barroso teve de responder não só às questões de praxe da interpretação constitucional, mas enfrentou senadores inspirados pelo delicado momento da relação entre Congresso e STF. Ao explicar como via essa interação, Barroso ofereceu a sua fórmula: "Quando o Legislativo atua, o Judiciário deve recuar, a menos que haja uma afronta evidente à Constituição. Quando o Legislativo não atua, mas existem interesses em jogo, o Judiciário deve atuar". E completou: "Juiz não deve extrapolar suas capacidades institucionais". Isoladamente, são fórmulas tão ocas do ponto de vista conceitual quanto marotas do ponto de vista retórico. Foram tranquilizantes contra aqueles que ainda operam mentalmente a partir da dicotomia entre ativismo e deferência, um cacoete contagioso, quase incorrigível. Saciaram também a curiosidade midiática, que as emprestou como manchetes do evento.
Sua frase mais insinuante, porém, veio mais tarde, quando o tom da sabatina era mais celebratório. Disse Barroso: "A jurisdição constitucional deve ser praticada tal como a vida deve ser vivida: buscando o ponto de equilíbrio, como quem anda numa corda bamba. (…) Quando ser ativista ou deferente? Do mesmo jeito que na vida, às vezes deve-se ser prudente, e outras ousada". Reconheceu que o STF pode oscilar entre momentos de expansão e contenção e que na separação de poderes essas fronteiras não estão predefinidas tal como o senso comum imagina. São produtos do jogo interativo entre os poderes. 
O STF, se quiser ser bom participante desse jogo, precisa mais do que de respostas convincentes e bem justificadas sobre o sentido e alcance da Constituição. Precisa também de tirocínio político. Barroso conhece bem essa verdade mal contada da jurisdição constitucional.

* CONRADO HÜBNER MENDES É PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA USP E DA FGV. 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

“CURA GAY”: INCONSTITUCIONALIDADE E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS



“CURA GAY”: INCONSTITUCIONALIDADE E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Em clara contraposição ao seu encargo e missão, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 234/2011 que propõe sustar “a aplicação do parágrafo único do art. 3º e o art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual”.
Afrontando resolução da Organização Mundial de Saúde que há muito desmistificou o caráter preconceituosamente patológico legado à homossexualidade, contrariando os inúmeros documentos internacionais em matéria de direitos humanos que encravam a igualdade e vedação da discriminação, bem como aos dispositivos constitucionais fundamentais aplicáveis à espécie, o Projeto, de autoria do Deputado João Campos (PSDB/GO), foi aprovado na referida Comissão, tendo recebido apenas um voto contrário do deputado Simplício Araújo (PPS-MA).
 A absurda aprovação é apenas um reflexo da composição da Comissão de Direitos Humanos sob a presidência do Deputado Marco Feliciano (PSC/SP) que, publica e expressamente, manifesta-se contrariamente aos direitos de diversos grupos vulneráveis, confundindo suas razões religiosas com argumentos supostamente aptos a justificar ações de Estado – laico, convém sempre repisar!
 A admissão e concordância legados pela Comissão da Casa Legislativa nesta votação bem demonstram que esta não possui aptidão para compreender o tema de seu mandato, qual seja: direitos humanos.
Os direitos são construídos historicamente, frutos de dinâmicas sociais, produzidos a partir destas "em defesa de novas liberdades contra velhos poderes", frutos de uma "racionalidade de resistência". É nesse influxo que os direitos humanos avultam como um “contrapoder” que marca o processo constante de lutas contra a lei do mais forte. Essa perspectiva combina com a tônica dos direitos humanos que visam equilibrar as relações assimétricas de poder. São, portanto, “trunfos poderosos” – majoritários, mas, sobretudo, contramajoritários – da luta pela construção de uma sociedade (mais) materialmente inclusiva.
É todo esse legado de luta pelos direitos humanos que descarta a referida Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados quando endossa projeto legislativo que desconsidera uns sujeitos em detrimento de outros por variação natural da sexualidade humana.
Já há muito descartou-se o preconceituoso rótulo de doença à homossexualidade que passou a ser compreendida como orientação sexual conformadora da identidade pessoal dos sujeitos. Neste influxo, ainda que tardiamente, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia, por meio da resolução nº 001/99, proibiu a terapia de alteração da orientação sexual. É justamente esta resolução que o projeto de decreto legislativo pretende alterar.
A aprovação da referida Comissão rompe com a herança da Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a Constituição da República vigente ao entrever a diferença como minus desabonador da plena condição de sujeito de direitos. Esta postura não combina com o idioma dos direitos humanos!
Tal postura afronta ainda o princípio democrático, pois em nome da representação da sociedade brasileira, os Deputados da Comissão de Direitos Humanos impõem a uma minoria um modo de vida particular, específico, pretensamente desejado pela maior parte da população que eles dizem representar. Oras, se a democracia é o melhor método para se tomar decisões imparciais de índole coletiva, então a resposta intuitiva é que tal postura seria possível, porque é proposta pelos representantes do povo, tem respeitado os ritos procedimentais exigidos e, assim, seria possível obrigar uma minoria a adotar um determinado modo de vida escolhido pela maior parte da população – o de que a homossexualidade é doença e pode ser curada.
Entretanto, essa postura tem uma contradição interna importante – se a democracia é, justamente, o processo que impede que um indivíduo imponha sua vontade pessoal sobre os demais em relação a um assunto que importe a todos, consequentemente, é inaceitável que a comunidade imponha a alguns de seus membros decisões que têm a ver com planos de vida individuais. Se essa postura fosse admitida, acabaria por implodir o fundamento da própria democracia – a liberdade de cada indivíduo em se autogovernar e ser tratado com igual respeito e consideração em relação aos demais.
Na fala dos direitos humanos e da democracia, o linguajar não pode ser outro que não o da alteridade, pois, somente à luz deste enfoque permite-se que as diferenças não se inibam e saiam à luz. Nesse sentido, sublinhamos a sempre presente lição de Boaventura de Sousa Santos: “temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.
A garantia da igualdade, também compreendida como inclusão e reconhecimento das diferenças, é condição elementar para o pleno desenvolvimento dos direitos humanos e da democracia.
Assim sendo, se há algo que necessita de “cura” não é a orientação sexual variante natural e própria da singularidade de cada ser humano, mas sim o preconceito e a intolerância que a atual composição da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados replica em seu ato de aprovação do referido projeto legislativo que é inconstitucional porque violatório do direito humano mais básico que é o de simplesmente ser – aí compreendidas todas as características que definem a essência humana.



Manifesto redigido pelo Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia  da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

República, democracia e protesto: ou é pra todos ou é de ninguém

Como estou escrevendo algo breve sobre os recentes protestos, aproveito para adiantar uma ideia provisória, mas que acho importantíssimo que alguns colegas, alunos e amigos saibam para não se esquecerem e não se iludirem: Tenho a impressão que parte da mídia e dos setores mais conservadores da sociedade tentarão, paulatinamente, se apropriar desse "outono brasileiro" para abafar o potencial emancipatório e renovador dessa onda de passeatas. Creio que alternativa é começarmos um trabalho de conscientização, sobretudo da classe média com quem convivemos, nos seguintes termos: ou nós protegemos os direitos fundamentais de todos os cidadãos brasileiros (indistintamente) ou nós violaremos o direito de cada um. Ou o Estado trata todos com igual respeito e consideração (não importa a classe, cor ou gênero) ou faremos mais uma revolução passiva. Ou a sociedade brasileira será mais justa para todos, ou não será para ninguém. Afinal, não existe "meia justiça". Precisamos levar a sério, na nossa democracia, o ideal republicano: todos os cidadãos têm que ser igualmente respeitados. Temos que buscar a concretização de todos os direitos, um a um, todos os dias. Comecemos com a liberdade de expressão e de locomoção, com o direito à cidade. Mas temos que continuar reivindicando tantos outros direitos que ainda nos são sonegados. Isso implica em reforça a ideia de que os agentes públicos estão a serviço do público e não do Estado ou de seus interesses, isso nos obriga a levar, necessariamente o constitucionalismo e a democracia a sérios. Precisamos retomar a lição dos clássicos de que "só poder limita o poder", e de que os homens não são anjos, nem demônios, por isso precisamos constantemente vigia-los. É fundamental suspeitarmos, sempre, do poder. Talvez assim consigamos construir uma República livre, justa e solidária para todos.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Direito ao Protesto: promessa e compromisso com o primeiro direito


Os vários dias seguidos de protestos em São Paulo e em diversas cidades do País pela redução das tarifas de ônibus têm colocado em voga quais são as possibilidades e limites das manifestações e dos protestos que bloqueiam ruas e praças.

O momento é oportuno e, por isso, apresentamos e colocamos em debate o esboço de um artigo científico mais amplo e profundo que vimos escrevendo. Abaixo vão os principais argumentos jurídicos e democráticos sobre como e porque devemos defender o direito ao protesto. O artigo completo deve sair publicado em breve, em coletânea organizada pelo Prof. Clèmerson Merlin Clève em comemoração aos 25 anos da Constituição de 1988. Para os que quiserem se aprofundar sobre o tema:

-       GARGARELLA, Roberto. El Derecho a la Protesta: el primer derecho. Buenos Aires, Ad-Hoc, 2005.

 - GODOY, Miguel Gualano de. Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012.
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(Direito ao) protesto: promessa e compromisso com o primeiro direito
Vera Karam de Chueiri 
(Professora Associada de Direito Constitucional dos Programas de Graduação e Pós-graduação em Direito da UFPR. Coordenadora do Núcleo de  Pesquisa Constitucionalismo e Democracia. Vice-diretora da Faculdade de Direito)
Miguel Gualano de Godoy 
(Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela UFPR. Pesquisador do Núcleo Constitucionalismo e Democracia)




Partindo do pressuposto de que a democracia é um constante processo de reinvenção de direitos e o conflito não pode jamais ser erradicado da sociedade (Claude Lefort), como encarar esses conflitos pela redução da passagem de ônibus; contra a truculência da polícia; contra a corrupção; pela efetivação de direitos sistematicamente negados, etc.?
É, sobretudo, com atos e movimentos de protesto que esses conflitos constitutivos do sistema constitucional-democrático são exibidos e exacerbados. Dessa forma, protestos, manifestações, ganham importância, pois em geral são os sintomas mais claros de violação de direitos fundamentais e (ou) a única forma encontrada para se fazer ouvir num processo democrático que é surdo aos gritos dos sujeitos que têm seus direitos sistematicamente negados, violados e, em geral, também são privados de condições mínimas e dignas de existência.
Os direitos nas sociedades contemporâneas, especialmente, no século vinte e um se associam a demandas que se singularizam nas pessoas, individual ou coletivamente, e que são, na mesma medida, urgentes. Assim, é o próprio direito ao protesto. O seu exercício envolve, ao mesmo tempo e com igual importância, a liberdade de expressão e convicção, a liberdade de reunião e manifestação, a igualdade de respeito e consideração, a igualdade de participação, etc . Não importa o gênero, a cor, a orientação sexual, ou qualquer outra diferença, todos têm o direito de protestar e suas demandas devem ser levadas a sério.
Em junho de 2013, vimos os atos contra o aumento das passagens de ônibus se expressarem também na forma de protestos e, novamente, como crítica que se amplia, inclusive, para além do aumento da tarifa de ônibus – são protestos por direitos: por um transporte público de qualidade, pela possibilidade de livre reunião e manifestação, contra um sistema institucional e representativo que cada vez mais se distancia das pessoas e de suas necessidades.
A Constituição Republicana de 1988, em seu artigo 5o, caput e nos desdobramentos deste artigo, ao longo da sua narrativa, prescreve que todos devem ser tratados como iguais, independentemente de qualquer distinção. Prescreve, ainda, a vedação de qualquer tratamento desumano ou degradante, como também a redução das desigualdades, a erradicação da pobreza e da marginalização tendo como fundamento o Estado democrático de Direito.
Entretanto, não basta prometer, é preciso se comprometer e o tempo do comprometimento ou do compromisso é o tempo presente, o tempo da ação. Ou seja, a Constituição como narrativa do constitucionalismo e da democracia promete e compromete, vincula passado, presente e futuro e o descumprimento dessas promessas e compromissos – estes traduzidos nos direitos fundamentais – pode originar (sempre e novamente) movimentos de protesto e resistência.
Os protestos são verdadeiras janelas para a manifestação da democracia, para mostrar que é somente no dissenso que a democracia é verdadeiramente construída e operada.
Apesar da promessa constitucional de tratar a todos como iguais, grupos amplos da nossa  sociedade sofrem graves e sistemáticos maus-tratos – o transporte público de péssima qualidade, lento, sempre atrasado, lotado e com uma tarifa que pesa no bolso do brasileiro é um exemplo disso. Essa situação, para ficarmos apenas com ela, os leva a viver em condições muito piores do que as do restante (uma minoria) da população e quase sempre por razões completamente alheias às suas responsabilidades. Se o Direito pretende honrar a promessa de tratar a todos como iguais, deve assegurar então àqueles que hoje são excluídos um tratamento mais atencioso. Enquanto isso não acontece, o Direito deve dar especial proteção aos que reclamam por ser tratados como iguais e deve, portanto, proteger e não calar os protestos. Daí a afirmação de Roberto Gargarella de que o direito ao protesto aparece, assim, como o “primeiro direito” – o direito de exigir a recuperação dos demais direitos.
Portanto, protestar não é simplesmente um ato juvenil, de rebeldia -com o que o senso comum geralmente o identifica- mas, conforme dissemos anteriormente, o exercício de um direito fundamental, o primeiro direito.
O direito ao protesto renova o compromisso democrático constitucional na articulação entre o livre pensar, a participação aberta a quem queira se expressar e das mais diversas formas, agregando, assim, os iguais nas suas diferenças, construindo caminhos, através de pontes ou consensos provisórios, na medida em que é no dissenso que a democracia e o constitucionalismo constituem uma verdadeira comunidade que a todo tempo questiona a sua própria identidade e por isso sempre em transformação. Poderíamos dizer que o direito ao protesto reforça o sentido de autogoverno, na medida da participação dos cidadãos na tomada das decisões que lhes afetam; ser, de fato, sujeito das suas próprias decisões políticas e econômicas. Como sugere Gargarella, “os cidadãos devem ter a possibilidade efetiva de refletir coletivamente sobre os assuntos mais econômicos mais cruciais de sua comunidade. Um bom sistema institucional deve favorecer tal discussão ao invés de permitir que ela seja remotamente possível”.
Em casos como os de bloqueios de ruas e ocupações de praças deve-se levar mais a sério o peso de um direito como o da liberdade de expressão. É certo que o exercício de um direito não pode importar na supressão de outro, mas é importante levar em conta que a liberdade de expressão é um dos primeiros e mais importantes fundamentos da estrutura democrática. Vale ressaltar que são as ruas, os parques e as praças os lugares especialmente privilegiados para a expressão pública da cidadania. Apesar das manifestações públicas causarem quase sempre algum tipo de moléstia (sujeira nas ruas pela distribuição de panfletos, lentidão ao trânsito de veículos etc.) elas devem ser toleradas em honra à liberdade de expressão (e tais moléstias devem ainda ser contornadas pelas autoridades públicas que devem manter as ruas limpas e organizar o trânsito). Em que pese os incômodos gerados pelos protestos, eles são uma forma privilegiada de expressão e devem sempre ter seu conteúdo, suas ideias resguardados. É claro que os delitos que algumas vezes se cometem nesses atos de protesto (como a eventual quebra de patrimônio público, por exemplo) devem ser responsabilizados. Mas esses excessos não podem impedir a continuação das expressões públicas de cidadania, especialmente porque muitas vezes, quase sempre, as motivações dos protestos decorrem do descumprimento do Estado com suas próprias obrigações constitucionais. Vale dizer, antes de se criticar e condenar aqueles que protestam, é preciso, pois, direcionar as críticas às autoridades que deixaram de cumprir com as suas obrigações.
É preciso ressaltar, ainda, as dificuldades (formais e materiais) que a maioria dos grupos que realizam protestos tem para se expressar. Muitas parcelas da sociedade encontram graves dificuldades para tornar audíveis suas vozes e se fazerem escutar pelo poder político. Os atos de protesto, a exemplo dos bloqueios de ruas, mostram uma desesperada necessidade de tornar visíveis situações extremas que, aparentemente, e de outro modo, não alcançariam visibilidade pública. Daí a afirmação de Gargarella de que “é preocupante que um sistema democrático conviva com situações de miséria, mas é catastrófico que tais situações não possam traduzir-se em demandas diretas sobre o poder público”.
Em situações de protesto como os bloqueio de ruas há sempre a arguição de conflito entre direitos – o direito de os protestantes se manifestarem bloqueando as ruas e o direito dos cidadãos de circularem livremente. Diante disso, há quem defenda que o alcance dos direitos constitucionais se estabelece à luz de certos interesses coletivos como “o bem comum”; o “bem estar geral”; o “interesse nacional” etc. Os direitos, nesse caso, não possuem uma força moral intrínseca e parecem dependentes de valores externos a eles. Aqueles que aderem a essa posição, especialmente Delegados e Juízes, em geral começam seus raciocínios e decisões com ideias tais como “não existem direitos ilimitados”, ou “o direito de cada um termina onde começa o do outro”. Afirmações como essas têm muito pouco conteúdo informativo e ainda menos conteúdo prescritivo. Essas frases postas simplesmente dessa maneira efetivamente não dizem nada, mas são muitas vezes utilizadas como argumento ou fundamentação final da decisão. Tais expressões deveriam ser apenas o início de um raciocínio a ser desenvolvido detalhadamente. No entanto, têm sido utilizadas como a única e fundamental premissa para a resolução do caso. Sem que os juízes digam qual é o limite do direito rechaçado, o que fazer após a descoberta desse limite e por quais razões referido direito foi afastado eles nada terão dito, mas apenas decidido de forma superficial, rasa e infundada.
Essa postura nada diz sobre como enfrentar o conflito de direitos no caso concreto. Nesse sentido, decidir com base na ideia de que “nenhum direito é ilimitado” ou que “se deve honrar o bem comum” é interromper e pôr fim a uma manifestação ou preservar o conteúdo da denúncia feita sob forma de protesto? A pergunta apenas evidencia como as autoridades podem explorar a ambiguidade dos termos para impor decisões arbitrárias. Tampouco a disputa pela definição do conteúdo dessas noções oferece alguma resposta. Ainda que houvesse um consenso sobre o sentido e o conteúdo dessas noções, tal postura negaria a possibilidade razoável de estabelecer mudanças nas convicções morais e nos costumes tradicionais da comunidade.
Em casos de protestos que se realizam por meio do bloqueio de ruas há um conflito que envolve diversos direitos como o de liberdade de expressão, o direito de peticionar às autoridades, o de circular livremente, de ter as ruas limpas etc. Nesse tipo de situação, devemos defender a preservação e sobreposição dos direitos ligados e mais próximos ao núcleo democrático da Constituição. Ou seja, se há dezenas de direitos em jogo, como comumente acontece em situações de protesto e bloqueios de estradas, deve-se fazer o máximo esforço para preservar os direitos mais intimamente ligados ao núcleo duro da Constituição, isto é a liberdade e a igualdade e seus desdobramentos. E esse núcleo duro deve ser compreendido, em última análise, como as regras básicas do jogo democrático. Nesse núcleo duro, direitos como os vinculados à liberdade de expressão ocupam então um lugar central.
Ou seja, os direitos ligados ao núcleo democrático da Constituição – e que não precisam necessariamente estar enumerados -  (artigos, 1o, 2o, 3o,4o, 5o, 6o e 7o e seus desdobramentos), também concebidos como trunfos, são pensados não como uma categoria dependente de outra (como o bem comum, por exemplo), mas como normas invioláveis e oponíveis contra qualquer sujeito, grupo e contra o próprio Estado. É a partir desse compromisso que se sustenta o valor do sistema de procedimentos democráticos.
Por tudo isso, aos grupos que protestam hoje pela redução das tarifas de ônibus e que são brutalmente reprimidos por meio do uso de uma força desproporcional e violenta por parte do Estado, reafirmamos nosso compromisso com a democracia, com os direitos fundamentais e, portanto, com o direito de protestar: não podemos ser indiferentes.