27/07/2013 - 03h30
Luiz Edson Fachin: Excessos cometidos
Não é legal a detenção aleatória de manifestantes pela força policial. E é indisfarçável violação a direitos fundamentais a exposição promovida pela Polícia Militar na internet da imagem de cidadão detido.
O conjunto das ações repressivas da PM tem sido prova do colapso ético e jurídico vivenciado especialmente nos últimos episódios transcorridos no Rio de Janeiro e agora em protesto ocorrido na celebrada presença papal.
A prisão antes da condenação transitada em julgado somente se justifica se for eminentemente cautelar. Seja preventiva ou temporária, em qualquer hipótese, é necessária prévia ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Há a exceção da prisão em flagrante, mas somente se pode considerar como tal ocorrência típica aquela cuja execução esteja em andamento.
Participação em manifestação popular não é crime, ao revés é direito fundamental coerente com o Estado democrático de Direito.
A atuação da PM do Rio viola premissas básicas do estado de inocência. Essa condição pessoal impõe dever de consideração de inocente tanto ao juiz, quanto a todos, pessoas físicas ou entes públicos, inclusive os órgãos de persecução penal.
A abominável "prisão para averiguação", além de absurdo jurídico, é uma reminiscência autoritária e faz do aparato policial uma afronta ao regime democrático.
A Constituição brasileira segue a mesma trilha da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ao garantir a toda pessoa direito à liberdade e de não ser privada dessa liberdade física, salvo nas causas e nas condições previamente fixadas em lei. Não há crime nem pena sem lei que previamente defina o fato como criminoso, afirmação que se tornou cláusula pétrea da Constituição brasileira.
É criticável a atuação da PM do Rio de Janeiro ao promover prisões arbitrárias de manifestantes, bem como ao divulgar indevidamente imagens nas redes sociais. É abusiva essa prática de expor manifestantes pelo Twitter, Facebook e outros meios, pois os transforma em instrumentos nocivos e fomentadores de estigma, além de afrontar a presunção de inocência.
Tal divulgação é um desvio que se agrava quando praticado por órgão estatal, como se fez na página do Twitter da PMERJ. A publicação de imagem é reveladora de compreensão equivocada sobre os limites e o sentido institucional do emprego de mídias por entes estatais e ainda é desprezo pelos direitos básicos das pessoas.
Isso também se dá quando a autoridade política, no exercício administrativo de funções, passa a exigir de empresas de telefonia e de provedores de internet informações sobre participantes dos protestos.
Sem prévia autorização judicial, há notória violação da privacidade, razão provável da revisão determinada pelo governador Sérgio Cabral do decreto que continha tal ilegalidade. A proteção dos direitos da personalidade implica a vedação à exposição indevida e obsta iniciativas de obtenção não autorizada de dados pessoais.
Portanto, é igualmente ofensiva aos direitos da pessoa a exposição pública da imagem dos detidos pela PM e a busca direta de dados relativos a comunicações telefônicas e virtuais de investigados.
Os abusos cometidos devem ser rigorosamente apurados pela respectiva corregedoria e também pelo Ministério Público, que não podem nem devem se omitir. O sentimento cidadão é de ausência de punição como regra e de alguma punição como exceção.
Não se nega à PM, nos limites constitucionais, o uso controlado da força. Mas é preciso distinguir uso de abuso. O direito de opor-se integra essa diferença. É seu dever garantir --e não violar-- tal direito.
LUIZ EDSON FACHIN, 55, é advogado, professor de direito da Universidade Federal do Paraná, professor visitante do King's College (Londres) e presidente da Academia Paranaense de Letras Jurídicas
Da FSP: aqui
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