Pesquisadora defende “Constituição” para a web
Rebecca MacKinnon, pesquisadora e jornalista
Uma notícia causou alarde na internet francesa no fim de fevereiro. O Twitter havia bloqueado pelo menos sete contas relacionadas ao presidente Nicolas Sarkozy, que disputa a reeleição neste ano.
O Twitter não deu explicações, mas um e-mail recebido pelo dono de uma das contas foi publicado pela organização Internet Sans Frontières. A mensagem afirma que a conta foi suspensa por se passar pelo presidente francês – algo proibido de acordo com os termos de uso que os usuários tinham aceitado ao criar os perfis. Embora fosse uma paródia, não houve chance de argumentar contra o bloqueio. Só depois da reação, a conta foi liberada. Outras continuavam bloqueadas.
O caso não é o único, muito menos o primeiro. Mas exemplifica o que a pesquisadora e jornalista Rebecca MacKinnon considera ser um dos maiores embates políticos do século 21: como lidar com as forças de poder que regulam a internet e controlam o que as pessoas podem ou não fazer na rede?
Em seu livro Consent of the Networked (Consentimento dos Conectados, em tradução livre), publicado no fim de janeiro nos Estados Unidos, ela estende o argumento que tem defendido em palestras e artigos, de que a internet está chegando em um momento em que é preciso criar uma espécie de Declaração dos Direitos que limite os poderes na rede, tanto de governos quanto de empresas que lidam com milhões ou bilhões de usuários diariamente.
Rebecca compara o momento atual ao que deu origem à Magna Carta na Inglaterra em 1215, quando os nobres, cansados de decisões arbitrárias, forçaram o rei John a assinar um documento que limitava seus poderes.
Confrontos como a recente reação às leis antipirataria nos EUA serão mais frequentes nos próximos anos?
Acredito que sim. Usuários de internet estão acordando e descobrindo que os políticos estão aprovando leis que até buscam solucionar problemas legítimos, mas estão fazendo isso de uma maneira que corrói os direitos dos usuários. As pessoas estão se dando conta que precisam prestar mais atenção e mesmo se engajar no ativismo político para que esta tendência seja revertida.
Quais outros setores da economia têm interesse em aumentar o controle sobre a internet?
No caso das leis de copyright, há uma clara divisão entre a indústria de tecnologia e a indústria do entretenimento. No caso da Sopa e Pipa (Stop Online Piracy Act e Protect IP Act), os interesses da sociedade civil e os da indústria da tecnologia estavam alinhados. Este nem sempre é o caso. Em temas como neutralidade da rede, por exemplo, a indústria de tecnologia e a sociedade civil estavam divididas.
Pesquisadores que participaram da criação da internet acreditavam que ela poderia desconstruir das estruturas de poder. Um ‘consentimento dos conectados’ é contrário a esta ideia libertária?
A internet se tornou valiosa demais política e economicamente para manter os governos e corporações fora dela. Esta é a realidade. E também os cidadãos de países democráticos estão constantemente exigindo que seus políticos tomem medidas para impedir que “os bandidos” façam coisas ruins na internet, como cometer crimes, ataques on-line, perseguir menores de idade, e assim por diante. Mas também precisamos exigir que a administração do ciberespaço deva se basear no consenso dos governados, em outras palavras, o consenso dos conectados. Aqueles que exercem o poder em nossas vidas digitais devem ser responsabilizados e pressionados. O poder deve ter restrições e controles para que ele não seja abusado.
Facebook e a Apple têm criado seus próprios ambientes de publicação, regulados por suas regras. O poder das empresas de internet cresceu demais?
Cresceu mais do que as pessoas se dão conta, e é por isso que eu argumento que as empresas também devem ser responsabilizadas, e que nós devemos esperar que elas respeitem e atuem sob os princípios dos direitos humanos universais.
Que tipo de temas uma ‘Constituição da internet’ deve cobrir?
Há três elementos de poder no ciberespaço: governos, companhias e cidadãos. Portanto, os governos devem se comprometer a assegurar que as leis relacionadas à internet não corroam os direitos fundamentais dos usuários de livre expressão e de privacidade. As empresas devem se comprometer a construir e gerenciar suas plataformas e serviços de maneira que respeitem e apoiem os princípios dos direitos humanos. E os cidadãos devem ter o direito de exigir que a internet seja governada, programada, edificada e gerenciada de forma compatível com a democracia e os princípios dos direitos humanos
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