Repensar o federalismo: duas decisões do
STF
Há algum tempo os integrantes do Núcleo
tem chamado a atenção para a necessidade da discussão sobre os arranjos
institucionais democracia brasileira. Busca-se chamar a atenção para a
necessidade de rediscutir a organização do Estado no que diz respeito à divisão
espacial do poder (a federação) e o a divisão funcional do poder (separação dos
poderes).
Estas reflexões já foram feitas em
seminários discutindo com o professor Gargarella a sua obra sobre a Casa de Máquinas
da Constituição, e, mais recentemente, no I Congresso Ítalo-brasileiro de
Direito Administrativo e Constitucional. Neste Congresso houve um painel
específico para discutir a organização do Estado, no qual ficou claro um
diagnóstico: é necessário recuperar a imaginação institucional para dar conta
dos novos e antigos problemas que o Brasil precisa enfrentar. Um dos expositores, o professor Marco
Marrafon, publicou um texto recentemente
lançando algumas ideias para repensarmos a federação aqui.
Há outras pesquisas em desenvolvimento no
Núcleo, as quais serão divulgadas oportunamente. Enquanto isso, tudo indica que
há um movimento no sentido de rediscussão da organização do Estado brasileiro, à
luz de um constitucionalismo democrático.
Nas últimas semanas que estas reflexões
bateram à porta do Supremo. Em decisões recentes o Ministro Edson Fachin tem
demonstrado uma postura bastante arrojada e propositiva buscando indicar novas
perspectivas para a federação brasileira.
Na ADI 5.356 (inteiro teor disponível em http://goo.gl/nEMpOJ), em que se impugna a
constitucionalidade de lei estadual que determina a instalação de bloqueadores
de celulares em estabelecimentos penais e centros de socioeducação, alegou-se,
como principal fundamento, a ofensa à competência privativa da União para
legislar sobre telecomunicações.
Ao negar a cautelar postulada, o Ministro
Fachin reafirmou a sua compreensão acerca do federalismo cooperativo instituído
e pressuposto pela Constituição da República, recentemente levada ao
conhecimento da comunidade brasileira em outras oportunidades (confira-se os
recentes julgamentos dos RE nº 730.721 e 794.714, bem como da ADI 3.165).
A decisão demonstra como a lei impugnada
não tem como elemento central matéria de telecomunicações, mas sim a tríade
segurança pública, direito penitenciário e direito do consumidor, todas elas
matérias de competência concorrente.
Segundo o Ministro, a questão posta é a
seguinte: como estabelecer os limites, possibilidades e critérios para se
definir com precisão quando haverá invasão da competência de outro ente
federado?
Para Fachin a resposta passa pela
recompreensão do federalismo brasileiro tanto do ponto de vista teórico
(federalismo cooperativo, laboratórios legislativos, etc.) quanto do ponto de
vista normativo (à luz dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade).
A outra decisão proferida ontem foi a ADI
5.357 (cujo inteiro teor está disponível
em http://goo.gl/tJVL6J), em que se
questiona a exigência legal prevista na Lei Brasileira da Inclusão (Estatuto da
Pessoa com Deficiência) de que todas as escolas particulares respeitem a
educação inclusiva, vedando a cobrança de qualquer valor extra dos pais que
matriculem filhos em tais estabelecimentos de ensino.
Logo de partida, afirma que: “a busca na tessitura constitucional pela
resposta jurídica para a questão somente pode ser realizada com um olhar que
não se negue a ver a responsabilidade pela alteridade compreendida como
elemento estruturante da narrativa constitucional.”
Nessa linha, compreendeu que “para além de vivificar importante
compromisso da narrativa constitucional pátria - recorde-se uma vez mais a
incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo
procedimento previsto no art. 5º, §3º, CRFB - o ensino inclusivo milita em
favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados pela Constituição
da República. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento
que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o
bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB)”.
Diante da ausência de plausibilidade da
impugnação formulada, bem como do perigo de dano inverso, decorrente do fato de
a demora em uma resposta na Corte poder ser responsável por eventualmente
semear insegurança jurídica, a cautelar foi indeferida.
Destaque-se que a decisão, refinada do
ponto de vista teórico, dialogou com a produção doutrinária sobre os temas nela
trabalhados, com referências expressas à produção das professoras Vera Karam de
Chueiri e Heloísa Câmara, bem como dos professores Álvaro Ricardo de Souza Cruz
e Luiz Alberto David Araújo.
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