quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Repensar o federalismo: duas decisões do STF

Há algum tempo os integrantes do Núcleo tem chamado a atenção para a necessidade da discussão sobre os arranjos institucionais democracia brasileira. Busca-se chamar a atenção para a necessidade de rediscutir a organização do Estado no que diz respeito à divisão espacial do poder (a federação) e o a divisão funcional do poder (separação dos poderes).

Estas reflexões já foram feitas em seminários discutindo com o professor Gargarella a sua obra sobre a Casa de Máquinas da Constituição, e, mais recentemente, no I Congresso Ítalo-brasileiro de Direito Administrativo e Constitucional. Neste Congresso houve um painel específico para discutir a organização do Estado, no qual ficou claro um diagnóstico: é necessário recuperar a imaginação institucional para dar conta dos novos e antigos problemas que o Brasil precisa enfrentar.  Um dos expositores, o professor Marco Marrafon, publicou  um texto recentemente lançando algumas ideias para repensarmos a federação aqui.

Há outras pesquisas em desenvolvimento no Núcleo, as quais serão divulgadas oportunamente. Enquanto isso, tudo indica que há um movimento no sentido de rediscussão da organização do Estado brasileiro, à luz de um constitucionalismo democrático.

Nas últimas semanas que estas reflexões bateram à porta do Supremo. Em decisões recentes o Ministro Edson Fachin tem demonstrado uma postura bastante arrojada e propositiva buscando indicar novas perspectivas para a federação brasileira.

Na ADI 5.356 (inteiro teor disponível em http://goo.gl/nEMpOJ), em que se impugna a constitucionalidade de lei estadual que determina a instalação de bloqueadores de celulares em estabelecimentos penais e centros de socioeducação, alegou-se, como principal fundamento, a ofensa à competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações.

Ao negar a cautelar postulada, o Ministro Fachin reafirmou a sua compreensão acerca do federalismo cooperativo instituído e pressuposto pela Constituição da República, recentemente levada ao conhecimento da comunidade brasileira em outras oportunidades (confira-se os recentes julgamentos dos RE nº 730.721 e 794.714, bem como da ADI 3.165).

A decisão demonstra como a lei impugnada não tem como elemento central matéria de telecomunicações, mas sim a tríade segurança pública, direito penitenciário e direito do consumidor, todas elas matérias de competência concorrente.

Segundo o Ministro, a questão posta é a seguinte: como estabelecer os limites, possibilidades e critérios para se definir com precisão quando haverá invasão da competência de outro ente federado?

Para Fachin a resposta passa pela recompreensão do federalismo brasileiro tanto do ponto de vista teórico (federalismo cooperativo, laboratórios legislativos, etc.) quanto do ponto de vista normativo (à luz dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade).

A outra decisão proferida ontem foi a ADI 5.357 (cujo inteiro teor está  disponível em http://goo.gl/tJVL6J), em que se questiona a exigência legal prevista na Lei Brasileira da Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência) de que todas as escolas particulares respeitem a educação inclusiva, vedando a cobrança de qualquer valor extra dos pais que matriculem filhos em tais estabelecimentos de ensino.

Logo de partida, afirma que: “a busca na tessitura constitucional pela resposta jurídica para a questão somente pode ser realizada com um olhar que não se negue a ver a responsabilidade pela alteridade compreendida como elemento estruturante da narrativa constitucional.

Nessa linha, compreendeu que “para além de vivificar importante compromisso da narrativa constitucional pátria - recorde-se uma vez mais a incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º, CRFB - o ensino inclusivo milita em favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados pela Constituição da República. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB)”.

Diante da ausência de plausibilidade da impugnação formulada, bem como do perigo de dano inverso, decorrente do fato de a demora em uma resposta na Corte poder ser responsável por eventualmente semear insegurança jurídica, a cautelar foi indeferida.

Destaque-se que a decisão, refinada do ponto de vista teórico, dialogou com a produção doutrinária sobre os temas nela trabalhados, com referências expressas à produção das professoras Vera Karam de Chueiri e Heloísa Câmara, bem como dos professores Álvaro Ricardo de Souza Cruz e Luiz Alberto David Araújo.