segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Constituição, Democracia e Belo Monte - o que nós temos a ver com isso?

Mais uma reportagem crítica, profunda e interessante de Eliane Brum. Porque se vc acha que Belo Monte, Amazônia, energia, são temas alheios a você, então esse artigo é pra vc!! Porque "Como de hábito, o Congresso decide os rumos do país desconectado com o que acontece na vida real para além do aquário brasiliense."


http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/10/belo-monte-nosso-dinheiro-e-o-bigode-do-sarney.html
ELIANE BRUM - 31/10/2011 10h47
 

Belo Monte, nosso dinheiro e o bigode do Sarney

Um dos mais respeitados especialistas na área energética do país, o professor da USP Célio Bermann, fala sobre a “caixa preta” do setor, controlado por José Sarney, e o jogo pesado e lucrativo que domina a maior obra do PAC. Conta também sua experiência como assessor de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia


Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)
ELIANE BRUM Jornalista, escritora e
documentarista. Ganhou mais
de 40 prêmios nacionais e
internacionais de reportagem.
É autora de um romance -
Uma Duas (LeYa) - e de três
livros de reportagem: Coluna
Prestes – O Avesso da Lenda
(Artes e Ofícios), A Vida Que
Ninguém Vê
(Arquipélago
Editorial, Prêmio Jabuti 2007)
e O Olho da Rua (Globo).
E codiretora de dois
documentários: Uma História
Severina e Gretchen Filme
Estrada.
mailto:elianebrum@uol.com.br?subject=Coment%C3%A1rio%20da%20coluna
@brumelianebrum 
 
 
Se você é aquele tipo de leitor que acha que Belo Monte vai “afetar apenas um punhado de índios”, esta entrevista é para você. Talvez você descubra que a megaobra vai afetar diretamente o seu bolso. Se você é aquele tipo de leitor que acredita que os acontecimentos na Amazônia não lhe dizem respeito, esta entrevista é para você. Para que possa entender que o que acontece lá, repercute aqui – e vice-versa. Se você é aquele tipo de leitor que defende a construção do maior número de usinas hidrelétricas já porque acredita piamente que, se isso não acontecer, vai ficar sem luz em casa para assistir à novela das oito, esta entrevista é para você. Com alguma sorte, você pode perceber que o buraco é mais embaixo e que você tem consumido propaganda subliminar, além de bens de consumo. Se você é aquele tipo de leitor que compreende os impactos socioambientais de uma obra desse porte, mas gostaria de entender melhor o que está em jogo de fato e quais são as alternativas, esta entrevista também é para você.

Como tenho escrito com frequência sobre a megausina hidrelétrica de Belo Monte, por considerar que é uma das questões mais relevantes do país no momento, observo com atenção as manifestações dos leitores que comentam neste espaço ou em redes sociais como o Twitter. Anotei as principais dúvidas para incluí-las aqui e assim colaborar com o debate.

Desta vez, propus uma conversa sobre Belo Monte a Célio Bermann, um dos mais respeitados especialistas do país na área energética. Bermann é professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp. Publicou vários livros, entre eles: “Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e Alternativas para um País Sustentável” (Livraria da Física) e “As Novas Energias no Brasil: Dilemas da Inclusão Social e Programas de Governo” (Fase). Ex-petista, ele participou dos debates da área energética e ambiental para a elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e foi assessor de Dilma Rousseff entre 2003 e 2004, no Ministério de Minas e Energia. Célio Bermann foi também um dos 40 cientistas a se debruçar sobre Belo Monte para construir um painel que, infelizmente, foi ignorado pelo governo federal.

Vale a pena ouvir o professor a qualquer tempo. Mas, especialmente, depois de uma semana dramática como a passada. Na quarta-feira (26/10), o julgamento da ação movida pelo Ministério Público Federal reivindicando que os índios sejam ouvidos sobre a obra, como determina a Constituição, foi interrompida e adiada mais uma vez no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Na mesma quarta-feira, chamado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para explicar por que não suspendeu as obras de Belo Monte, o Brasil não compareceu, desrespeitando o organismo internacional e exibindo um comportamento mais usual em ditaduras. Em reportagem publicada em 20/10, o Estadão denunciou que, como retaliação por ter sido advertido sobre Belo Monte, o Brasil deixou de pagar sua cota anual como estado-membro.

Na quinta-feira (27/10), centenas de pessoas, entre indígenas, ribeirinhos e moradores das cidades atingidas, ocuparam pacificamente o canteiro de obras de Belo Monte, no rio Xingu, pedindo a paralisação da construção da usina. Foram expulsos por ordem judicial. Enquanto o canteiro de obras era ocupado por uma população invisível para o governo de Dilma Rousseff, o cineasta Daniel Tendler apresentava no Seminário Nacional de Grandes Barragens, no Rio de Janeiro, o projeto de uma megaprodução cinematográfica que se propõe a documentar as obras de Belo Monte por cinco anos. O projeto é comandado pela LC Barreto, a produtora da poderosa família Barreto, a mesma que fez “Lula, O Filho do Brasil”. Tendler, aliás, foi um dos roteiristas do filme sobre a vida do ex-presidente. Entre as repercussões da megaprodução cinematográfica sobre a megaobra do PAC no Twitter, destacou-se uma: “Os Barreto estão para o cinema nacional como os Sarney para a política”.

Ainda na semana passada, o governo federal publicou um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”. Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país.

Dias antes, em 26/10, o Senado havia aprovado um projeto de lei que retira o poder do Ibama para multar crimes ambientais, como desmatamentos. Se não for vetado pela presidente, o poder de multar passará para estados e municípios, sujeito às pressões locais já bem conhecidas. A aprovação do projeto aconteceu quatro dias depois de mais um assassinato no Pará: João Chupel Primo, mais conhecido como João da Gaita, foi morto com um tiro na cabeça, depois de denunciar ao Ministério Público Federal, em Altamira, uma rota de desmatamento ilegal na reserva extrativista Riozinho do Anfrísio e na Floresta Nacional Trairão, área do entorno de Belo Monte. Como de hábito, o Congresso decide os rumos do país desconectado com o que acontece na vida real para além do aquário brasiliense.

No momento histórico em que recursos como água e biodiversidade se consolidam como o grande capital de uma nação, o Brasil, um dos países mais beneficiados pela natureza no planeta, corre em marcha à ré. O cenário que você acabou de ler tem no centro – como obra simbólica e estratégica – Belo Monte, a maior obra do PAC. A seguir, parte de minha conversa de quase três horas com o professor Célio Bermann, em sua sala no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

- Por que o senhor, assim como outras pessoas que estudam o setor, afirma que a área energética do país é uma “caixa preta”. Afinal, que caixa preta é essa?
Célio Bermann –
A política energética do nosso país é uma caixa preta e é mantida dessa forma por uma série de razões. Primeiro, porque a baixa escolaridade da população brasileira não permite, por exemplo, que o leitor da Época entenda o que é terawatts/hora. Mas seria interessante que a população toda tivesse conhecimento e pudesse, com informação, começar a definir junto com empresas e governo os rumos que são mais adequados. Acho que a academia tem um papel fundamental nesse processo. Eu, particularmente, tento, na área do meu conhecimento, procurar as populações tradicionais, mostrar o que é uma usina hidrelétrica, por que alaga quando você interrompe o fluxo, o que é uma barragem, e como isso vai acabar transformando a vida da comunidade. Acho importante que a academia preste esse tipo de informação, já que governo e empresas não o fazem.

- Sim, mas por que o setor energético tem sido uma caixa preta por décadas?
Bermann -
A governabilidade foi encontrada através de uma aliança que mantém o círculo de interesses que sempre estiveram no nosso país. É a mesma turma que continua na área energética. E isso é impressionante. A população não participa do processo de decisões. Não existem canais para isso. Ainda no governo FHC, durante a privatização, o governo criou um Conselho Nacional de Política Energética. Nos dois mandatos de FHC participavam os dez ministros, mas havia um assento para um representante da academia e um da chamada sociedade civil. Eles sentavam, discutiam as diretrizes energéticas de uma forma aparentemente saudável, mas, no frigir dos ovos, na prática não mudava nada. De qualquer forma, havia pelo menos esse sentido de escutar. Isso, com Lula, acabou. O resultado do governo "democrático popular" do Lula, nos dois mandatos, e da Dilma, agora, é a negação de escutar outros interesses que não sejam aqueles que sempre estiveram junto ao poder. A própria Dilma, no início do governo Lula, tinha uma dificuldade muito grande de ouvir, de sentar-se com os movimentos sociais e ouvir. Eu tive a oportunidade de vivenciar o primeiro mandato do Lula, lá, em Brasília.

- E qual era o seu papel?
Bermann –
Era apagar fogo, este era o meu papel...

- Mas, oficialmente...
Bermann -
O meu papel era tentar amenizar um pouco os conflitos, mas, oficialmente, eu fui trabalhar com a Dilma como assessor ambiental no Ministério de Minas e Energia. A ideia inicial era criar uma Secretaria de Meio Ambiente dentro do ministério. Era a época em que tínhamos a Marina (Silva) falando em transversalidade, então havia um ambiente extremamente propício para aparar arestas e ver se a coisa poderia caminhar de uma forma mais adequada. Achei, então, que a melhor forma de fazer isso não era criar um lugar dos ambientalistas no ministério, mas colocar em todas as secretarias do ministério gente que pensasse o meio ambiente. Mas acabei ficando um ano lá em Brasília. Mesmo assim, foi extremamente interessante, porque me permitiu sair da academia e ter, na prática, a percepção de como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo.

- E como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo?
Bermann –
É um horror. É uma lentidão. É um imobilismo. É incrível a capacidade da máquina de governo de fazer de conta que faz sem estar fazendo absolutamente nada. Eu falo isso com todos os pontos nos “is”. No início do governo se buscava um entendimento entre os chamados "ministérios fins" e o meio ambiente. Transportes, por causa da construção de estradas e portos, e Minas e Energia, por causa da atividade mineral, metalúrgica e energética, e as questões ambientais que são intrínsecas a essas atividades. Houve uma boa intenção de levar adiante a possibilidade do estabelecimento de pontos comuns. Fizemos, então, um acordo entre Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente em função da definição de "pontos comuns", de procurar verificar onde poderíamos estabelecer alguns consensos. Era um documento em que se definia uma agenda energética e ambiental comuns aos dois ministérios. Se bem me lembro, o documento foi concluído em setembro de 2003. Mas as duas ministras só foram assinar em 31 de março de 2004.

- Por quê?
Bermann –
Boa pergunta. Por quê? Boas intenções... mas por quê? Eu realmente não consigo definir exatamente se era uma questão de veleidade... não sei. No final de 2003 a Marina começou a perceber a dificuldade de ela continuar, e o Lula, daquele jeito dele, deixando a coisa acontecer. Naquele momento, o governo poderia ter tido uma agenda comum, um processo extremamente positivo de entender que existem usinas hidrelétricas que não devem ser construídas.

- Imagino que não era fácil ser assessor ambiental da Dilma Rousseff...
Bermann -
É, foi uma coisa meio... difícil. Como falei, eu tinha uma relação particular com os movimentos sociais e estava mais numa situação de bombeiro. Vou te contar uma coisa, como referência. Eu encontrei a Dilma na posse do (físico) Luiz Pinguelli Rosa, no Rio de Janeiro, como presidente da Eletrobrás. Ela estava extremamente satisfeita, alegre, contente, porque tinha conseguido, politicamente, afastar a turma do (José) Sarney da seara energética. (Luiz Pinguelli Rosa deixaria o cargo em 2004, a pedido de Lula, que precisava colocar alguém ligado ao PMDB e a José Sarney.) Para você ver. Na época, o (José Antonio) Muniz (Lopes) era diretor da Eletronorte... e depois tornou-se presidente da Eletrobrás (de 2008 a 2011).

- O José Antonio Muniz Lopes, um homem da cota do Sarney, é um personagem longevo nessa história de Belo Monte... Só para situar os leitores, em 1989, no último ano do governo Sarney, ele era diretor da Eletronorte e foi no rosto dele que a índia caiapó Tuíra encostou seu facão por causa da proposta de Belo Monte (então chamada de Kararaô), naquela foto histórica que correu mundo. O tal do Muniz já estava lá... Depois de deixar a presidência da Eletrobrás, no início deste ano, continuou lá, agora como diretor de Transmissão da Eletrobrás...
Bermann –
Pois então. Naquela época, em 2003, era ele o diretor da Eletronorte que a Dilma tinha ficado feliz por ter conseguido afastar. Por isso que eu falo que não é o governo Lula, é o governo Lula/Sarney. E agora Dilma/Sarney. Constituiu-se um amálgama entre os interesses históricos do superfaturamento de obras, sempre falado, nunca evidenciado. Não se trata de construir uma usina para produzir energia elétrica. Uma vez construída, alguém vai precisar produzir energia elétrica, mas não é para isso que Belo Monte está sendo construída. O que está em jogo é a utilização do dinheiro público e especialmente o espaço de cinco, seis anos em que o empreendimento será construído. É neste momento que se fatura. É na construção o momento onde corre o dinheiro. É quando prefeitos, vereadores, governadores são comprados e essa situação é mantida. Estou sendo muito claro ao expor a minha percepção do que é uma usina hidrelétrica como Belo Monte.

- No momento em que o senhor encontrou a Dilma, logo na constituição da equipe do primeiro mandato de Lula, o senhor conta que ela estava feliz porque tinha conseguido tirar a turma do Sarney do comando da área energética. O que aconteceu a partir daí?
Bermann -
A pergunta é: tirou mesmo?

- E qual é a resposta?
Bermann -
Naquele momento, manter esse pessoal à distância era estratégico para reconstruir as relações e viabilizar algumas das diretrizes que tinham sido objeto da proposta de governo. O que aconteceu é que a vida dessa situação (de afastamento) foi extremamente curta devido às relações de poder. Eles não gostaram de se sentir afastados. E eu suponho que a percepção do problema da governabilidade no governo Lula foi uma ação desses setores que tinham percebido que estavam longe da teta da vaca e que não podiam continuar assim. Qual era o jeito de fazer? PMDB era oposição. Vamos conversar... E aí se reacomodam as questões. Eu não digo que seja um grupo de ladrões mercenários. Não é isso que está em jogo. Mas essa capilaridade do Sarney permite manter o usufruto do poder. Eu não sou psicólogo para entender o que o senhor Sarney pensa quando vê o Muniz voltar para o governo, ou quando se encontra diante da incapacidade técnica do senador Edison Lobão ao conduzir o Ministério de Minas e Energia no governo Lula e agora no de Dilma. Não há lógica para isso. Vou dizer de novo: não é possível a gente acreditar na capacidade gerencial de um governo que se submete a esse tipo de articulação política, colocando uma pessoa absolutamente incapaz de entender o que é quilowatt, quilowatt/hora. De ir a público sem saber a diferença entre tensão em volts e energia em quilowatts/hora.

- O senhor está falando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão?
Bermann-
Edison Lobão.

- E Belo Monte ocupa que lugar nesse jogo?
Bermann -
É a oportunidade de se fazer dinheiro e de se reconstituir as relações de poder. Essa obra tinha sido sepultada em 1989, por conta da mobilização da população indígena, e voltou à tona no governo Lula, aprovada pelo Congresso (em 2005) com o discurso de que era um novo projeto.

- A ameaça de retomar Belo Monte esteve presente também durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas só no governo Lula saiu mesmo do papel, o que ninguém imaginava que acontecesse, devido ao apoio massivo dos movimentos sociais da região à campanha de Lula. O senhor acha que o fato de Belo Monte ter saído do papel tem a ver com a denúncia do Mensalão, em 2005, e a recomposição das forças políticas para a eleição de 2006?
Bermann - Não tenho a mínima ideia. Mas vamos falar em cifras, agora. Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt/hora.

- Por que fictício?
Bermann -
Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões...

- Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?
Bermann –
Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Isso sem falar em superfaturamento.

- Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?
Bermann –
Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público. O que estamos testemunhando é um esquema de engenharia financeira para satisfazer um jogo de interesses que envolve empreiteiras que vão ganhar muito dinheiro no curto prazo. Um esquema de relações de poder que se estabelece nos níveis local, estadual e nacional – e isso numa obra cujos 11.200 megawatts de potência instalada só vão funcionar quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Xingu. Então, é preciso entender que a discussão sobre a volta da inflação não se dá porque está aumentando o preço da cebola, do tomate, do leite... É por causa da volúpia de tomar recursos públicos que será necessário fabricar dinheiro. O ritmo inflacionário vai se dar na medida em que obras como Belo Monte forem avançando e requerendo que se pague equipamento, que se pague operários, que se pague uma série de coisas e também que se remunere com superfaturamento.

- Quem perde a gente já sabe. Agora, quem ganha, além das empreiteiras envolvidas na obra?
Bermann -
Há as pessoas que ganham pela obra - fabricantes de equipamentos, empreiteiras. E há quem ganhe não financeiramente, mas politicamente, por permitir que essa articulação seja possível, porque é esse pessoal que vai bancar a campanha para o próximo mandato. É a escolinha ou o posto de saúde que eventualmente aquele vereador, aquele prefeito vai dizer: "É obra minha!". É isso que está em jogo. É dessa forma que a cultura política se estabelece hoje no nosso país. Isso precisa mudar. Como? É complicado.

- O senhor costuma usar a expressão “Síndrome do Blecaute” para se referir ao pânico da população de ficar à luz de velas devido a um apagão energético. Acredita que essa “síndrome” é manipulada pelo governo federal e pelos grandes interesses empresariais para emprestar um caráter de legitimidade a megaobras como Belo Monte?
Bermann –
O que eu tenho chamado de "Síndrome do Blecaute" conduz à legitimação de empreendimentos absolutamente inconsistentes. Belo Monte, como foi provado pelo conjunto de cientistas que se debruçaram sobre o tema (painel dos especialistas), é uma obra absolutamente indesejável sob o ponto de vista econômico, financeiro e técnico. Isso sem falar nos aspectos social e ambiental. Mas se dissemina uma ideia do caos e, hoje, há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a "Síndrome do Blecaute" para se viabilizarem. O fato de hoje o aquecimento global dominar a mídia e o senso comum, assim como a própria academia, ajuda a mostrar a hidroeletricidade como uma grande maravilha, independentemente do lugar em que a usina vai ser construída e dos impactos que ela vai causar. Mas o que é preciso compreender e questionar? Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose.

- As chamadas indústrias eletrointensivas...
Bermann –
Isso. Eu não estou defendendo que devemos fechar as indústrias eletrointensivas, que demandam uma enorme quantidade de energia elétrica a um custo ambiental altíssimo. Mas acho absolutamente indesejável que a produção de alumínio dobre nos próximos 10 anos, que a produção de aço triplique nos próximos 10 anos, que a produção de celulose seja multiplicada por três nos próximos 10 anos. E é isso que está sendo previsto oficialmente.

- O que poucos parecem perceber e menos ainda questionam, quando essas metas são comemoradas, é a forma como o Brasil está inserido no mercado internacional em pleno século XXI. O quanto o fato de nossa economia estar baseada na exportação de bens primários tem a ver com a necessidade de grandes hidrelétricas?
Bermann –
Desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, pelos sucessivos governos até FHC, tem sido assim. Nós imaginávamos que, com Lula, essa questão ia ser reorientada. Porque o programa de governo em que eu me envolvi preconizava a necessidade dessa mudança. E o que aconteceu? Se você comparar os dados de 2001 com os dados de 2010, vai constatar que a economia brasileira está se primarizando cada vez mais. Isto é: cada vez mais são produzidos no Brasil bens industriais primários, sem agregação de valor. E são justamente os bens primários que consomem muita energia e geram pouco emprego. Além disso, satisfazem uma demanda marcada pelo consumismo. E o Brasil se mostrou incapaz de dizer: "Não, nós não vamos fazer isso".

- E depois esses produtos retornam para o Brasil, via importação, com valor agregado...
Bermann –
É. Eu sempre chamo a atenção para o fato de que, do alumínio primário que o Brasil produz, 70% é exportado. E o alumínio consome muita energia. Para se pegar um barro vermelho, que é a bauxita, e transformá-la em alumínio, é preciso um processo de produção extremamente devastador sob o ponto de vista ambiental. Há um primeiro refino para obter a alumina, que é um pó branco. Esse pó branco tem como consequência ambiental uma borra chamada de “lama vermelha”. Um ano atrás, na Europa, na Hungria, houve uma catástrofe em função do rompimento de uma barragem que continha essa lama vermelha e tóxica. Ela se espalhou pelo Rio Danúbio e foi um horror. E cada vez mais se faz isso no nosso país – e, claro, não se faz mais isso nos países centrais. Isso não está acontecendo agora no Brasil, está acontecendo desde os anos 70.

- Houve acentuação desse processo no governo Lula e agora no de Dilma Rousseff?
Bermann –
O que acontece a partir de Lula é o que eu tenho chamado de "reprimarização da economia". Nós já tivemos uma época em que a economia dependia basicamente da produção de bens primários: café, açúcar e também alguns bens industriais primários. Depois, tivemos Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek), e nos anos 50 houve a substituição das importações com a vinda da indústria pesada. Aquele período marca um processo acelerado de industrialização da economia brasileira em que se buscava um desenvolvimento tecnológico para acompanhar o ritmo internacional. Agora, vivemos a reprimarização da economia. E não é uma questão do governo, simplesmente. O governo poderia tornar essa questão pública, dar condições para que a população compreendesse e debatesse o que está em jogo, e isso pudesse servir como base de apoio para uma tomada de decisão do tipo: "Olha, Alcoa (corporação de origem americana com grande presença no Brasil, é a principal produtora mundial de alumínio primário e alumínio industrializado, assim como a maior mineradora de bauxita e refinadora de alumina), vocês não vão continuar aumentando a produção aqui no Brasil. Procurem um outro lugar. A produção de energia elétrica gera um problema ambiental enorme, um problema social enorme, e nós vamos priorizar a demanda da população”. Mas, infelizmente, isso não é feito.

- Mas essa obstinação do governo Lula, e agora do governo Dilma, em fazer Belo Monte, mesmo já tendo um prejuízo de imagem aqui e lá fora, mesmo tendo mais de uma dezena de ações judiciais contra a obra movidas pelo Ministério Público Federal, fora as outras... Essa obstinação se dá apenas por causa do esquema de governabilidade, do esquema político para as eleições a curto e médio prazo, ou é por mais alguma coisa?
Bermann –
Isso já não te parece plausível? Ou você acha que tem alguma coisa meio doentia, que precisa ser explicada? (risos)

- Doentia, não sei. Mas eu gostaria de compreender melhor por que o senhor e a maioria dos especialistas que estudaram o projeto afirmam que esta obra é ruim também do ponto de vista técnico.
Bermann –
Divulgaram que esta será a única usina do Xingu. Inclusive, houve um seminário recente aqui na USP em que tive a oportunidade de discutir com o Mauricio Tolmasquim (presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia). E ele veio com essa ladainha: “Vai ser a única...”. E eu disse a ele: “Com o perdão do poeta, o que você está afirmando, somente de papel passado, com firma em cartório e assinado: Deus”.

- O senhor não acredita que será a única usina do Xingu, então?
Bermann –
Me diga alguma coisa no nosso país que vigorou como cláusula pétrea. Me fale alguma coisa aqui no nosso país que foi dito de uma forma e se manteve ao longo do tempo. VAI ser necessário construir outras usinas. No atual projeto, esta é uma usina que vai funcionar à plena carga, no máximo, quatro meses por ano, por causa do regime hidrológico. Se ela estiver sozinha, o volume de água para rodar as turbinas dependerá da quantidade de chuva. E aquela região tem a seguinte característica: quando chove, quando tem água, quando desce a água dos tributários para o Xingu é muita água, é um volume enorme de água. Mas isso só acontece durante quatro meses por ano. Só nesse período os 11.200 megawatts vão estar operando. Em outubro, na época da estiagem, será apenas 1.100 megawatts, um décimo. Então, a pergunta é: por que construir uma usina desse porte, se, na média anual, ela vai operar com 4.300 megawatts? Necessariamente vão vir as outras quatro. Eu estou afirmando isso, infelizmente. Tecnicamente, eu tenho absoluta certeza. Porque as usinas rio acima vão segurar a água e aí Belo Monte não vai depender da quantidade de chuva. É o único jeito dessa potência instalada de 11.200 megawatts existir de fato.

- O senhor está dizendo que o governo federal está mentindo ao afirmar que será apenas uma usina, para conseguir vencer as resistências ao projeto e aprová-la, e depois fará mais três ou quatro?
Bermann –
Estou dizendo que, da forma como esta usina está colocada, é uma aberração técnica tão grande que é totalmente ilógico construí-la.

- E essa afirmação, discutida hoje na Justiça, de que os povos indígenas não serão atingidos?
Bermann –
A noção que as empresas e o governo federal têm é a noção de população afogada – e não atingida.

- Agora, digamos que nós concordássemos que a obstinação de construir Belo Monte, ainda que atropelando a população e talvez a Constituição, se devesse à necessidade de energia elétrica. E digamos que Belo Monte fosse de fato um projeto de engenharia viável e inteligente. As usinas hidrelétricas são as melhores opções para a geração de energia no Brasil de hoje? Quais são as alternativas a elas?
Bermann –
Não podemos olhar a questão da produção de energia sem questionar ou considerar o outro lado, que é o consumo de energia. Parece meio prosaico, porque envolve hábitos culturais da população. E a população sempre entendeu que energia elétrica se resume a você apertar o botão e ter eletricidade disponível. E por isso fica em pânico com a “Síndrome do Blecaute”. Mas é preciso pensar além disso. Não estou dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Parem, porque diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhões de toneladas de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhões de toneladas hoje. Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos 80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhões para 30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa disseram: “Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica, tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma de chip. Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos aumentando o consumo de energia a título de crescimento e desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E, para se ter uma ideia, hoje falta esquadrias de alumínio no mercado interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$ 1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro: cerca de US$ 3 mil a tonelada.

- Para o senhor, a questão de fundo é outra...
Bermann -
Nós temos pouca capacidade de produzir alumínio com valor agregado. Então, não estou dizendo para fechar essas fábricas, botar os trabalhadores na rua, mas dizendo para parar de produzir alumínio primário, que exige uma enorme quantidade de energia, e investir no processo de melhoria da matéria-prima para satisfazer inclusive a demanda interna hoje insatisfeita. Agora, vai perguntar isso para a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio). Veja se eles estão pensando dessa forma. Billiton, Alcoa, mesmo o sempre venerado Antônio Ermírio de Moraes, com a Companhia Brasileira de Alumínio. A perspectiva desse pessoal é a cega subordinação ao que define hoje o mercado internacional, o mercado financeiro. E é assim que o nosso país fica desesperado com a ideia de que vai faltar energia.

- Além de ser um modelo de desenvolvimento que prioriza a exportação de bens primários, sem valor agregado, é também um modelo de desenvolvimento que ignora o esgotamento de recursos. Enquanto tem, explora e lucra. Alguns poucos ganham. O custo socioambiental, agora e no futuro, será dividido por todos...
Bermann –
Isso. Os recursos naturais são limitados. Por isso, no meu ponto de vista, a discussão do aquecimento global obscurece o entendimento da hidroeletricidade em particular. Ficamos às cegas. Para transformar o barro da bauxita naquele pó branco do alumínio, que depois é fundido através de uma corrente elétrica, é uma quantidade de energia enorme, absurda. Essa possibilidade você não vai conseguir com energia solar, com energia eólica. São processos produtivos que exigem a manutenção do suprimento de energia elétrica 24 por 24 horas. A solar não consegue fazer isso na escala necessária. Uma tonelada de alumínio consome 15 a 16 mil kilowatts/hora. Para se ter uma ideia, na média, o consumidor brasileiro consome, por domicílio, 180 kilowatts/hora por mês, o que é baixo. Nós ainda estamos vivendo uma situação muito próxima da miserabilidade em termos energéticos para a população. Nós temos uma demanda a ser satisfeita com equipamentos eletrodomésticos. Satisfeita não construindo grandes usinas hidrelétricas para as empresas eletrointensivas, mas para conseguirmos equilibrar a qualidade de vida, que se deve fundamentalmente a uma herança histórica: a de sermos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.

- Uma das piores distribuições de renda e uma das piores distribuições de eletricidade do mundo...
Bermann –
Eu chamo o programa de universalização de "Luz para quase todos". Não é para todos, é para quase todos. Desde que estejam próximos da rede para extensão, tudo bem. Mas, para o sujeito distante, só agora é que se começa a pensar em sistemas de produção descentralizada. A percepção ainda é, infelizmente, de pegar e estender a rede. Mas o custo de extensão da rede é muito alto. Principalmente, se você pegar e atravessar 15 quilômetros para atender duas, três casas. O lógico seria a adoção de energia descentralizada em escala menor, que seja mais bem controlada pela população. Mas isso não passa pela cabeça porque define inclusive uma outra relação social. Eu também chamo esse programa de “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética.

- O senhor poderia explicar melhor quais são as alternativas para a população, já que todos nós crescemos dentro de uma lógica em que recebemos a conta da luz e pagamos a conta da luz; apertamos um botão na parede e a luz se faz. A realidade está exigindo que sejamos mais criativos e tenhamos mais largura de raciocínio. Quais são as alternativas para o cidadão comum, especialmente o de regiões mais afastadas?
Bermann –
Depende muito do acesso à tecnologia existente no local ou na região. Hoje, por exemplo, temos no Rio Grande do Sul uma experiência de queimar casca de arroz para gerar energia. O calor da queima da casca de arroz aquece a água, a água se transforma em vapor e esse vapor é injetado num tubo e gira uma turbina produzindo energia elétrica. Não tem nada de fantástico nisso, esse processo é conhecido há muito tempo, mas, puxa vida, eu estou tão acostumado a simplesmente acender e apagar o botão... Vou ficar agora me preocupando se tem combustível? Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou uma usina de geração eólica (transformação de vento em energia elétrica). E use essa tecnologia que está disponível para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde.

- O que o senhor diria para a parcela da população brasileira que faz afirmações como estas: "Ah, se não construir Belo Monte não vai ter luz na minha casa", ou "Ah, esses ecochatos que criticam Belo Monte usam Ipad e embarcam em um avião para ir até o Xingu ou para a Europa fazer barulho". O que se diz para essas pessoas para que possam começar a compreender que a questão é um pouco mais complexa do que parece à primeira vista?
Bermann –
Não é verdade que nós estamos à beira de um colapso energético. Não é verdade que nós estamos na iminência de um “apagão”. Nós temos energia suficiente. O que precisamos é priorizar a melhoria da qualidade de vida da população aumentando a disponibilidade de energia para a população. E isso se pode fazer com alternativas locais, mais próximas, não centralizadas, com a alteração dos hábitos de consumo. É importante perder essa referência que hoje nos marca de que esse tipo de obra é extremamente necessário porque vai trazer o progresso e o desenvolvimento do país. Isso é uma falácia. É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar energia elétrica. Mas, cidadãos, se informem, procurem pressionar para que se abram canais de participação e de processo decisório para definir que país nós queremos. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à luz de velas...”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina que vai trazer enormes problemas sociais, econômicos e ambientais. É importante a percepção de que, cada vez que você liga um aparelho elétrico, a televisão, o computador, ou a luz da sua casa, você tenha como referência o fato de que a luz que está chegando ali é resultado de um processo penoso de expulsão de pessoas, do afastamento de uma população da sua base material de vida. E isso é absolutamente condenável, principalmente se forem indígenas e populações tradicionais. Mas também diz respeito à nossa própria vida. É necessário ter uma percepção crítica do nosso modo de vida, que não vai se modificar amanhã, mas ela precisa já estar na cabeça das pessoas, porque não é só energia, é uma série de recursos naturais que a gente simplesmente não considera que estão sendo exauridos e comprometidos. É necessário que desde a escola as crianças tenham essa discussão, incorporem essa discussão ao seu cotidiano. Eu também tenho uma dificuldade muito grande de chegar aqui na minha sala e não ligar logo o computador para ver emails, essas coisas. Confesso que tenho. Mas eu também percebo uma grande satisfação quando eu consigo não fazer isso. E essa percepção da satisfação é uma coisa cultural, pessoal, subjetiva. Mas ela precisa ser percebida pelas pessoas. De que o nosso mundo não existe apenas para nos beneficiarmos com essas "comodidades" que a energia elétrica em particular nos fornece. Agora isso exige um esforço, e a gente vive num mundo em que esse esforço de perceber a vida de outra forma não é incentivado. Por isso é difícil. E por isso, para quem quer construir uma usina, quer se dar bem, quer ganhar voto, quer manter a situação de privilégio, seja local ou nacional, para essas pessoas é muito fácil o convencimento que é praticado com relação a essas obras. Por mais que eu tenha sempre chamado a atenção para o caráter absolutamente ilógico da usina, das questões que envolvem a lógica econômico e financeira dessa hidrelétrica, para o absurdo que é a utilização do dinheiro público para isso, para a referência à necessidade de se precisar, num futuro próximo, enfrentar um ritmo violento de custo de vida, emitindo moeda para sustentar empreendimentos como esse, é muito difícil fazer com que as pessoas compreendam a relação dessa situação com as grandes obras. E Belo Monte é mais um instrumento disso. Eu não sou catastrofista, não tenho a percepção maléfica da hidroeletricidade. Não demonizo a hidroeletricidade. Eu apenas constato que, da forma como ela é concebida, particularmente no nosso país nos últimos anos, é uma das bases da injustiça social e da degradação ambiental. Se não é pensando em você, você necessariamente vai precisar pensar nas gerações futuras. Este é o recado para o leitor: é preciso repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos.

- O senhor acha que a Dilma tem essa obstinação com Belo Monte, em parte, por teimosia?
Bermann -
Ela é muito cabeça dura.
- Às vezes eu acho que as questões subjetivas têm um peso maior do que a gente costuma dar. Não sei...
Bermann -
É, mas eu também não sei, não tenho nenhuma proximidade maior com o que ela está pensando agora. O que eu sei é que, no dia a dia, lá no ministério, ela demonstrava uma capacidade muito reduzida de ouvir. Ela pode até ouvir, mas as coisas na cabeça dela já estão postas.
- Por que o senhor saiu do governo em 2004?
Bermann -
Porque venceu o contrato, e eu achei que não valia a pena continuar. Há conhecidos meus que foram na mesma época que eu e estão até hoje em Brasília. Não estão mais no ministério, mas estão em Brasília. Acho que Brasília é uma cidade com um vírus letal, que é a "Brasilite". A "Brasilite" se compõe de um verme que entra no umbigo e toma a barriga da pessoa de forma a ela achar que é o centro do universo. A partir daí, mudam as relações pessoais, o que a pessoa era e o que ela passa a ser. Eu mesmo perdi muitos amigos que começaram a empinar o queixo. Fazer o quê? E isso faz parte do “modus vivendi” brasiliense. Basta você ter um terno e uma gravata que você é doutor. Eu acho que a gente não vai muito longe alimentando isso.

- O senhor participou da elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e participou do primeiro ano de governo. Está desiludido?

Bermann –
Eu não aceito quando me definem como: "Ah, você também é daqueles que estão desiludidos, estão chateados...". Tem essa conotação, né? Em absoluto. Eu não estou desiludido, chateado, bronqueado. Eu estou indignado!

- Quando o senhor se desfiliou do PT?
Bermann –
Ah, quando o bigode do Sarney estava aparecendo muito nas fotos. 

Owen Fiss - Universidade e Imprensa

Interessante pequeno artigo de Owen Fiss sobre a relação entre o papel da Imprensa e o da Universidade.


La universidad es una institución autónoma dedicada al descubrimiento y la difusión del conocimiento. Desde un punto de vista histórico, las universidades no nacieron del impulso democrático y muchos de sus mayores logros no están relacionados con la profundización de la democracia. No obstante, las universidades contemporáneas tienen potencial para mejorar y fortalecer la calidad del sistema democrático , y para que puedan logar su fin, requieren de una protección jurídica adecuada – la “libertad académica”–, que deriva de la garantía constitucional de la libertad de expresión.

La democracia es un sistema de autogobierno colectivo en el que el pueblo define su vida pública. Los líderes del gobierno son elegidos por los ciudadanos, con un mayor o menor grado de conocimiento sobre las cuestiones públicas. Ello implica que incluso un sistema en el que los ciudadanos tengan conocimientos escasos sobre las cuestiones acerca de las cuales deciden, si efectivamente deciden, será democrático. Pero un sistema de esta índole no será especialmente inspirador ni digno de nuestra admiración: todo sistema que se precie por su carácter democrático debe buscar universalizar el conocimiento.

La universidad puede jugar un rol fundamental en este proceso, por dos motivos. Primero, tanto las ciencias “duras” como las ciencias “blandas” que se investigan en la universidad pueden aportar conocimientos relevantes para la toma de decisiones públicas. Y segundo, la universidad forma ciudadanos críticos y pensantes, que aportan ideas a la deliberación pública que la democracia requiere.

La protección jurídica que requieren las universidades para poder cumplir su misión democrática es análoga a la que requiere la prensa, dado que sus roles son similares.

Mi sensación es que las universidades pueden jugar un rol incluso más fundamental que la prensa en dar cuenta de la libertad política de una sociedad: mientras que la prensa se enfoca en el día a día, la universidad busca establecer los cimientos intelectuales para entender esos eventos y formular una respuesta apropiada. Por lo tanto, una interpretación teleológica de la garantía constitucional de la libertad de expresión, como la que es aceptada actualmente, debería sin dudas incluir a la actividad de generar y diseminar conocimiento que tiene lugar en la universidad.

Esta protección constitucional, la “libertad académica”, tiene dos facetas: una externa y una interna. La faceta externa es aquella que confiere autonomía a la universidad de la regulación gubernamental.
Por supuesto que el gobierno sí podrá regular cuestiones de salud o seguridad dentro de los edificios universitarios, pero no podrá inmiscuirse en asuntos como la definición del plan de estudios, el nombramiento de profesores y la admisión de estudiantes . En tanto, la faceta interna es aquella que confiere el derecho a los miembros de la comunidad académica a ser juzgados exclusivamente sobre la base de estándares profesionales, y no en base a afiliaciones políticas o predilecciones personales.

En suma, la protección y el fomento de la actividad universitaria son cruciales para lograr democracias más robustas. Una sociedad libre necesita universidades libres.

http://www.clarin.com/opinion/Universidad-prensa-roles-similares_0_582541816.html

domingo, 30 de outubro de 2011

Entrevista com Roberto Gargarella sobre política, democracia, etc.

Vale a pena conferir a entrevista com Roberto Gargarella sobre política, democracia, autogoverno... Muito do que está lá vale para cá!!

http://www.politicargentina.com/entrevistas/951-dictaduras


Roberto Gargarella: “Las dictaduras nos han malacostumbrado”
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El abogado y sociólogo Roberto Gargarella afirma que las dictaduras “nos han malacostumbrado”, que, al igual que con el kirchnerismo, “se podría hacer el cuento del gobierno de Menem como progresista” y que la izquierda se conservadurizó. “El principal drama institucional que vivimos es el de la expropiación de poder democrático a la ciudadanía”, subraya.
Más conocido últimamente por participar en debates televisivos, Roberto Gargarella es uno de esos intelectuales que no sólo luce cuando habla, sino que ha hecho un aporte teórico novedoso y destacado. Jurista y sociólogo, autor de más de una veintena de libros, formó parte del vasto grupo de académicos que dio su apoyo a Jorge Altamira (Frente de Izquierda) en las últimas elecciones presidenciales.
Investigador a tiempo completo y fanático de la argumentación, Gargarella es consciente de que tiene algunas visiones que despiertan polémicas, como cuando dice que es contradictorio hablar de prisión que sirva para la reinserción, como debería ser. “La cárcel es símil tortura, y yo estoy en contra de cualquier tipo de tortura. El primer paso que se da para reinsertar a alguien es separarlo de la gente que le pueda dar afecto y conectarlo con la que ha identificado como la más insociable de todas. La privación de la libertad es una irracionalidad. Si expresa una venganza, estoy en contra; si es una tortura, como creo, estoy en contra; si es para socializar, en absoluto lo consigue; es, además, una escuela de delito. Y para mantener más segura a la sociedad hay otras maneras”, sostiene.
También asegura que la actual Corte Suprema es “exageradamente tímida”, que le presta una “atención exagerada a las repercusiones públicas de los fallos” y que “el kirchnerismo, en lugar de elogiarla, debería cumplir sus fallos”, ya que “no ha cumplido un fallo de la Corte que le fuera adverso”.



¿A qué obedece el 54% obtenido por Cristina Fernández en las últimas elecciones?

Una de las dificultades que uno tiene para responder se debe a la podredumbre del sistema institucional, que no es propia de este Gobierno, sino del tipo de democracia que tenemos, donde no se admiten los matices. Si cuando uno va votar, la única respuesta posible es sí o no, la persona puede decir que sí, pero no quiere decir que haya aprobado todo. Yo pienso la democracia de otra manera.

En tus escritos mencionás el concepto de “autogobierno colectivo”. ¿De qué modo se podría reforzar el poder popular?

El modelo triunfante vino a cercenar muchas prácticas e ideas que existían hace más de 200 años. En ese momento se hablaba de instrucciones a los representantes, revocatoria de mandatos si no se cumplía con ellas, rotaciones obligatorias en los cargos, elecciones periódicas y formas asamblearias. Aquel entramado institucional se borró y quedó en pie el sufragio como única manera de expresión popular.

Una de tus mayores preocupaciones es la desigualdad y, a la vez, el híperpresidencialismo y el exceso de concentración política. ¿Para reducir niveles de inequidad, ayudaría la descentralización de poder?

Quien tiene una posición de democracia radical, es inescapable no reclamar al mismo tiempo democracia política y económica. No pueden depender las reformas igualitarias de la voluntad discrecional de una persona. La izquierda, que ahora se consevadurizó, tradicionalmente defendió la posición contraria, la de que el poder político tiene que dispersarse, lo cual es contrario a la concentración de poder.

Habría que distinguir la descentralización política de un Estado débil, que son cuestiones distintas.

Claro. La idea de que un Gobierno con capacidad de acción es un poder concentrado constituye el sueño de las dictaduras; en ellas sí hay celeridad en las acciones. Las dictaduras nos han malacostumbrado.

¿Existe en Argentina una cultura para pasar al parlamentarismo?

Los argumentos de la cultura política y de las tradiciones son inaceptables. A lo mejor esta es una sociedad machista, entonces hay que poner todo el esfuerzo para acabar con la violencia de género, aunque no haya cultura social al respecto. El híperpresidencialismo forma parte central del problema, pero no es obvio que el parlamentarismo sea la solución. El principal drama institucional que vivimos es el de la expropiación de poder democrático a la ciudadanía.

¿Qué evaluación hacés de los últimos dos gobiernos en comparación con los anteriores, desde el retorno de la democracia?

Hay un intento importante de diferenciarse de experiencias traumáticas anteriores: el vacío de poder, el desgobierno, Kosteki y Santillán, el neoliberalismo. Pero en la práctica, hay una gran ceguera en no querer ver las líneas de continuidad. Kirchner y sus diputados le aprobaron todas las medidas a Menem, las políticas de privatización más inaceptables; fueron el sostén del cavallismo. Y ahora Menem es el responsable de aprobarle todo al oficialismo. Eso, junto a una continuidad de ministros y funcionarios, Alberto y Aníbal Fernández. Hay continuidades por todos lados, también a nivel provincial, donde las políticas de derechos humanos no son demasiado distintas y las alianzas y los nombres son los mismos. ¿Eso quiere decir que uno es lo mismo que otro? No. ¿Eso niega que haya habido medidas elogiables? No, las hubo en el menemismo y en el kirchnerismo. Si uno quisiera hacer el cuento del Gobierno menemista como progresista, también tendría bases interesantes para hacerlo: cupo femenino obligatorio, abolición del servicio militar.

Cuando planteás que “hoy muchos intelectuales son servidores y justificadores servidores del poder”, ¿se infiere que no debería haber intelectuales oficialistas?

Sí, pero pienso en que no hay problemas en que un intelectual se comprometa políticamente, se acerque a un Gobierno y trate de empujarlo en las buenas direcciones. El problema es cuando utiliza las capacidades que tiene para justificar lo injustificable. Que el gobierno sistemáticamente mienta con todas las cifras públicas es una catástrofe para los salarios, la confianza mutua, el respeto, y hay que denunciarlo a viva voz y no primero hacer 50 elogios y después recordar al Indec. No tocar ciertos temas que deberían ser considerados en primer lugar es una manera de asumir complicidad con hechos inaceptables.

¿Por qué dice que “la idea del orden sigue siendo reaccionaria”?

No es una frase con la que me siento identificado así puesta. En una democracia con los niveles de desigualdad que tiene la Argentina y con los compromisos sociales tan profundos que tiene aún la modesta Constitución nacional, la prioridad, cuando hay una crisis que se manifiesta en quejas, es poner contra la pared al Estado y señalar sus incumplimientos. Cuando el poder público carga las tintas sobre los que se manifiestan en lugar de ver cuáles son las razones de la protesta y las violaciones que cometió el Estado, erra el tiro, no porque lo que hacen quienes se quejan deba ser aceptado en todos los casos, sin importar qué hagan, sino porque lo principal es reconocer que la gran mayoría de estas protestas lo que hace es denunciar la existencia de violaciones de derechos constitucionales muy graves.

¿No se produce un conflicto de derechos, entre quienes reclaman y los que circulan?

La idea es escapar a eso. El conflicto no es entre libertad de expresión y libertad de tránsito. La gente que protesta está pidiendo comer, llegar a fin de mes. Es una tontería monstruosa calificar el conflicto como ciudadanos contra ciudadanos. Es contra el Estado. Quien asume la defensa de la protesta social no está diciendo que es el mecanismo correcto de quejarse ni que los demás no tienen derechos, sino que debe analizarse estos casos al revés de cómo se los mira, con una presunción en contra del Estado, que es el que más graves faltas comete.

¿Cuál es el límite de la protesta?

Si hay un hecho de violencia, si un obrero le tira una piedra al patrón, deberá ser tomado aparte, pero eso no dice nada sobre el derecho de protestar.

El miércoles se condenó a varios represores a cadena perpetua por la causa ESMA. ¿Qué análisis hacés, luego de haber hecho una fuerte crítica de la absolución de Menem por el tráfico de armas?

El derecho argentino, en el área de los derechos humanos, estaba marcado por una desigualdad muy fuerte que llevaba a que los responsables de los mayores crímenes habían recibido un tratamiento privilegiado, que incluía beneficios o la impunidad. Romper con la desigualdad y marcar un fortísimo reproche al terrorismo de Estado era fundamental.

¿Reconocés avances respecto desde los años ‘90?

Obvio. Desde finales del Gobierno de Alfonsín hasta hace poco, la política de la materia estuvo marcada por una desigualdad atroz. Se trataba mejor a los que había cometido las conductas más abominables. Era importante romper con eso, pero no excluye que haya injusticias y graves violaciones de derechos en la materia.

Leminski falando sobre grafitti na reitoria

atividades do núcleo de Constitucionalismo e Democracia - nov. 2011

dia 03/11, quinta-feira, discussão com o prof. José ROdrigo Rodrigues, da GV e CEBRAP, 17:15, na faculdade de direito da UFPR.
dia 07/11, segunda-feira, discussão com a profa. Cecilia Caballero Lois, da UFRJ, 17:30, no curso de direito da PUCPR.
Os respectivos textos já foram enviados para o email do grupo e em breve estarão disponibilizados no blog.

artigo de Christopher L. Eisgruber "Democracy and disagreement: a comment on Jeremy Waldron's Law and Disagreement"

"Democracy and disagreement: a comment on Jeremy Waldron's Law and Disagreement

artigo de Stephen Breyer "Our democratic constitution"

Our democratic constitution

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

próximo seminário- doutorado - 2o semestre 2011

dia 08/11, 18:30
constitucionalismo e democracia (ou constitucionalismo vs. Democracia) IV e Direitos Humanos
 Koh, Harold Hongju y Slye, Ronald C. (org) Democracia deliberative y derechos humanos. Barcelona: Gedisa, 1999. 33-225  249-299 (Bruno e Luciane)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Habermas sobre a crise européia e a democracia na zona do euro

Vale a pena ler o excerto deste artigo de Jürgen Habermas sobre a crise econômica da União Européia, as pretensas soluções econômicas (sempre desiguais, sempre ostensivas, opressivas...) e a falta de um verdadeiro debate e uma efetiva solução: a democratização das relações que até agora limitam-se a ser econômicas.






Jürgen Habermas: Está em jogo a democracia

27 outubro 2011
Paris
Ajubel

A crise da zona euro torna necessária uma maior integração política da UE. Mas a via seguida pelos dirigentes europeus deixa de lado aquilo que deveria ser a sua prioridade: o bem-estar dos cidadãos, definido num quadro democrático, considera o sociólogo Jürgen Habermas. Excertos.

 
 
A curto prazo, a crise exige a maior atenção. Mas, para além disso, os atores políticos não deveriam esquecer as falhas de construção que estão na base da união monetária e que só poderão ser superadas através de uma união política adequada: faltam à União Europeia as competências necessárias para a harmonização das economias nacionais, que registam enormes diferenças nas suas capacidades de concorrência.

O "pacto para a Europa", mais uma vez reforçado, apenas contribui para reforçar um defeito antigo: os acordos não vinculativos no círculo dos chefes de Governo não produzem efeitos ou, então, não são democráticos e devem, por isso, ser substituídos por uma institucionalização indiscutível das decisões comuns.

O Governo federal alemão tornou-se o impulsionador de uma falta de solidariedade que afeta toda a Europa, por ter fechado os olhos, há demasiado tempo, à única saída construtiva que até o Frankfurter Allgemeine Zeitung passou entretanto a referir através da fórmula lacónica de "mais Europa".

Uma paralisia generalizada

Todos os governos interessados estão desorientados e paralisados perante a difícil escolha entre, por um lado, os imperativos dos grandes bancos e das agências de notação e, por outro, o receio face à perda de legitimidade junto das respetivas populações frustradas, que os ameaça. O incremento imponderado denuncia a falta de uma perspetiva mais ampla.

A crise financeira, que dura desde 2008, paralisou o mecanismo do endividamento público à custa das gerações futuras; e, entretanto, não se percebe como podem as políticas de austeridade – difíceis de impor a nível interno – ser conciliadas, a longo prazo, com a manutenção de um nível suportável do Estado social.
Dada a dimensão dos problemas, seria de esperar que os políticos pusessem, sem demora e sem condições prévias, as cartas europeias em cima da mesa, a fim de esclarecer de forma cabal a população sobre a relação entre os custos a curto prazo e a utilidade real do projeto europeu, ou seja, sobre o seu significado histórico.

Em vez disso, colam-se a um populismo que eles próprios favoreceram, devido à ausência de esclarecimento de um assunto complexo e impopular. No limiar entre a unificação económica e política da Europa, a política parece suster a respiração e enterrar a cabeça nos ombros.

União política seria um castelo de areia

Porquê esta paralisia? É uma perspetiva que remonta ao século XIX que impõe a resposta conhecida do demos: a não existência de um povo europeu, motivo pelo qual uma união política digna desse nome seria um castelo de areia. Gostaria de contrapor uma interpretação diferente desta interpretação: a fragmentação política constante, no mundo e na Europa, está em contradição com o crescimento sistémico de uma sociedade mundial multicultural e bloqueia todos os progressos na civilização jurídica constitucional das relações de poder, estatais e sociais.

O facto de, até agora, a UE ter sido sustentada e monopolizada pelas elites políticas, teve por resultado uma perigosa assimetria – entre a participação democrática dos povos nos benefícios que os respetivos governos dela "retiram" para si mesmos, na cena distante de Bruxelas, e a indiferença, ou mesmo a ausência de participação dos cidadãos da UE relativamente às decisões do seu Parlamento, em Estrasburgo.
Esta observação não justifica a substancialização dos "povos". Só o populismo de direita continua a apresentar uma caricatura dos grandes temas nacionais, que se obstruem uns aos outros e bloqueiam qualquer formação de vontade que ultrapasse as fronteiras.

Quanto mais as populações nacionais tomarem consciência de, e quanto mais os órgãos de comunicação despertarem as consciências para, até que ponto as decisões da UE influenciam o seu quotidiano, mais aumentará o interesse dessas populações em utilizar também os seus direitos democráticos de cidadãos da União.

Este fator de impacto tornou-se tangível na crise do euro. A crise forçou igualmente o Conselho, a contragosto, a tomar decisões que podem ter pesos desiguais sobre os orçamentos nacionais.

Negociações numa zona jurídica indefinida

Desde 8 de maio de 2009, o Conselho ultrapassou um patamar, através das decisões de resgate e de possíveis alterações da dívida, e ainda através de declarações de intenções quanto à harmonização em todos os domínios associados à concorrência (em política económica, fiscal, de mercado de trabalho, social e cultural).

Para lá desse patamar colocam-se problemas de justiça da repartição. Seria, portanto, conforme com a lógica dessa evolução que os cidadãos dos Estados que são forçados a sofrer as alterações de repartição dos encargos para além das fronteiras nacionais, tivessem o desejo de influenciar democraticamente, no seu papel de cidadãos da União, aquilo que os seus chefes de Governo negoceiam ou decidem numa zona jurídica indefinida.

Em vez disso, assistimos a táticas dilatórias, por parte dos governos, e a uma rejeição de cariz populista do conjunto do projeto europeu, por parte das populações. Este comportamento autodestrutivo explica-se pelo facto de as elites políticas e os órgãos de informação hesitarem em tirar consequências razoáveis do projeto constitucional.

Por pressão dos mercados financeiros, impôs-se a convicção de que, quando da introdução do euro, foi negligenciado o pressuposto económico do projeto constitucional. A UE só pode afirmar-se contra a especulação financeira se adquirir as competências políticas de orientação necessárias para assegurar, pelo menos no coração da Europa – ou seja, entre os membros da zona monetária europeia – uma convergência dos desenvolvimentos económicos e sociais.

Exercício de um domínio pós-democrático

Todos os participantes sabem que este nível de "cooperação reforçada" não é possível no quadro dos tratados existentes. A consequência de um "governo económico" comum, que também agrada ao Governo alemão, significaria que a exigência central da capacidade de concorrência de todos os países da comunidade económica europeia iria muito além das políticas financeiras e económicas, até aos orçamentos nacionais, e chegaria ao ventrículo do coração, ou seja, ao direito dos parlamentos nacionais em matéria orçamental.

Ainda que um direito válido não deva ser infringido de forma flagrante, esta reforma em suspenso só é possível pela via de uma transferência de outras competências dos Estados-membros para a União. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy chegaram a um compromisso entre o liberalismo económico alemão e o estatismo francês que tem um conteúdo completamente diferente. Se não me engano, os dois procuram consolidar o federalismo executivo implícito no Tratado de Lisboa numa autoridade intergovernamental do Conselho Europeu, que é contrária ao Tratado. Um regime destes permitiria transferir os imperativos dos mercados para os orçamentos nacionais, sem qualquer legitimação democrática própria.

Deste modo, os chefes de governo transformariam o projeto europeu no seu oposto: a primeira comunidade supranacional democraticamente legalizada tornar-se-ia um entendimento efetivo, por ser velado, de exercício de um domínio pós-democrático. A alternativa reside na continuação consequente da legalização democrática da UE. Uma solidariedade dos cidadãos, alargada a toda Europa não pode constituir-se se, entre os Estados-membros, ou seja, nos possíveis pontos de rutura, se consolidarem desigualdades sociais entre nações pobres e ricas.

A União deve assegurar aquilo que a Lei Fundamental da República Federal Alemã designa (artigo 106, alínea 2) por "homogeneidade das condições de vida". Essa "homogeneidade" assenta apenas numa estimativa das situações de vida social que seja aceitável do ponto de vista da justiça da repartição – e não no nivelamento das diferenças culturais. Acontece que é necessária uma integração política baseada no bem-estar social para que a pluralidade nacional e a riqueza cultural do biótopo da "velha Europa" possam ser protegidas do nivelamento, no seio de uma globalização cuja progressão é tensa.



* Este artigo é um extrato da obra "Um ensaio sobre a Constituição da Europa" (Suhrkamp, 2011), que será publicada em breve em português, pela editora Ediçoes 70.
Este texto é um excerto da conferência que Jürgen Habermas dará na Universidade de Paris-Descartes (12, rue de l'Ecole-de-Médecine, 75006 Paris) no contexto de um colóquio organizado, no dia 10 de novembro, pela equipa PHILéPOL (filosofia, epistemologia e política) dirigida pelo filósofo Yves Charles Zarka. A totalidade do texto será publicada no número de janeiro de 2012 na revueCités (PUF). Na quinta-feira dia 10 de novembro, após o colóquio, às 18 horas, Jürgen Habermas terá uma conversa com Yves Charles Zarka sobre o papel da filosofia na crise atual da consciência europeia, na biblioteca filosófica Vrin (6 place de la Sorbonne, 75005 Paris).


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Argentina Condena Torturadores à Prisão Perpétua


A Argentina acaba de condenar à prisão perpétua alguns daqueles que mais representaram o terrorismo de Estado durante a ditadura militar naquele país. Astiz, que assassinou as fundadoras das Mães da Praça de Maio Azucena Villaflor, Mari Bianco e Ester de Careaga, entre outras, está entre os condenados.

NUNCA MÁS!!

Por aqui, parece restar a constatação de que "o esquecimento da tortura produz a naturalização da violência como grave sintoma social. A polícia brasileira é a única na América Latina que comete mais assassinatos e crimes de tortura do que durante o período da ditadura militar. A impunidade não produz apenas a repetição da barbárie: tende a provocar uma sinistra escalada de práticas abusivas por parte dos poderes públicos, que deveriam proteger os cidadãos e garantir a paz" (KEHL, Maria Rita. Tortura e Sintoma Social. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir. O Que Resta da Ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010).

Lei da Copa e ordenamento jurídico do Brasil por Heloisa Camara na Gazeta do Povo

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1185013

Interessante entrevista (apenas em áudio) com Manuel Cepeda, Ex-presidente da Corte Constitucional Colombiana

 Manuel Cepeda foi um dos principais responsáveis pelas transformações ocorridas naquela Corte. Ele foi um dos responsáveis pela democratização da Corte Colombiana e pela utilização de instrumentais mais democráticos nos momentos de decisões constitucionais controversas.
Miguel Godoy
http://ultimainstancia.podomatic.com/entry/2011-10-23T17_45_19-07_00

entrevista com o prof. de direito constitucional Sansão José Loureiro

Caros, imperdível a matéria feita com o Sansão sobre os livros doados à biblioteca pública. Embora muitos de nós já saibamos da importância deste professor de direito constitucional para nossas vidas de ex-alunos, nunca é demais reafirmar o valor deste cidadão que faz da sua prática o sentido das suas convicções. Não deixem de assistir, até porque nosso querido Arthur, ex-aluno da faculdade e que fez uma belíssima monografia sobre desventuras em série é um dos leitores da biblioteca pública do Paraná que bebe na fonte das obras doadas pelo Sansão.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

curitiba e bicicletas

...tenho certeza que o sujeito que redesenhou as vias para o uso dos ciclistas anda de carro, normalmente na relação uma pessoa, um carro e pensa a cidade a partir da sua curitibanisse... vera karam

Justiça Social? por Estefania Maria de Queiroz Barboza

Justiça Social?
Publicado em 25/10/2011 | ESTEFÂNIA MARIA DE QUEIROZ BARBOZA
vale a pena ler.

Justiça de transição e comissão da verdade

Aconteceu na faculdade de direito da UFPR a V reunião do IDEJUST (Instituto de Justiça de Transição), organizada pelo Núcleo de Constitucionalismo e Democracia. Durante a apresentação dos trabalhos surgiu a questão sobre o as decisões da Corte Interamericana e o seu cumprimento pelos Estados afetados. Em relação ao Brasil a questão central é a decisão no caso Araguaia que vai no sentido oposto da decisão do STF na ADPF 153, ou seja, reconhecendo a invalidade da lei de anistia. Certamente há questões jurídicas sensíveis a ser consideradas, porém, em se tratando de direitos humanos e suas violações há que se radicalizar nas interpretações (ou não?).

dia 03 de novembro o Núcleo de Constitucionalismo e Democracia discutirá com o professor José Rodrigo Rodriguez da GV-SP e do CEBRAP seu paper intitulado "Sobre a Qualidade da Jurisdição: Fundamentação das Sentenças, Justiça Opinativa e Luta pela Justificação no Direito Brasileiro Contemporâneo"

debate entre Jon Elster e Robert Alexy, que aconteceu na Colômbia

Segue abaixo o link para o grande debate entre Jon Elster e Robert Alexy, que aconteceu na Colômbia. Mto bom!

http://iureamicorum.blogspot.com/2011/10/debate-alexy-jon-elster-en-el-vii.html